Trinta e cinco dias
faltaram-lhe para ultrapassar a barreira dos oitenta anos. E não lhe foi
possível atender ao meu pedido.
Por onde anda agora, lembrará.
Eu te pedi, às vésperas da
cirurgia de alto risco a que você foi submetido, há dois anos e pouco, que,
caso retornasse, se fizesse uma proposta: de ser uma pessoa melhor, que pudesse
ser lembrado por algo que efetivamente fizesse sentido à sua vida.
Sim, Mauro. Fui privilegiado
pela Vida por ter me exposto a poucas e expressivas tristezas. Mas, uma delas,
devo confessar e imensa foi observar a sua trajetória. Sempre me perguntei por
que alguém poderia, sistematicamente, permitir-se tantos desacertos, desatinos,
errâncias?
Não escrevo para fazer juízo
de seus atos, mas para deixar registrado quanto eu sofri por não ver de você e
em você algo que marcasse a sua passagem pela Vida.
Não que tivesse algo de
extraordinário a fazer, mas algo pelo qual eu pudesse ter na lembrança e dizer:
“Aqui ele me foi importante, ou importante a alguém.”
Se bem que, minto, quando
morávamos eu e minha família em Vitoria, você esteve lá em casa e cuidou dos
meninos durante alguns dias para que eu pudesse trabalhar e Vera ir para a
faculdade.
Olha, eu estou me lembrando de
quando da penúria na infância, você apareceu com pares de sapatos que serviam em
mim, sabe-se lá vindos de onde.
Lembro também que, certa vez,
fui pressionado pelos pais, aos quatorze anos, para que eu arrumasse trabalho,
você interveio e disse: “Deixem que amanhã vou arrumar um emprego pra esse
menino.” No dia seguinte, ansioso, fui contigo ao encontro da oportunidade.
Você me levou ao campo do Cruzeiro, no Barro Preto, para assistir à um treino
do time, e lá me disse: “Relaxe, viva a Vida.”
Há também o episódio em Cabo
Frio que estávamos juntos no mar e nos vimos em palmos de aranhas, quase nos
afogamos e juntos. Você ao sair, disse: “Que porra de mar besta, sô! Vê lá se
me levas!”
E foi assim.
Hoje, ao despedir, quero que
saibas: eu lhe sou muito grato por me revestir os pés descalços e viver a Vida. E
isso foi imensamente extraordinário.
Muito obrigado, meu irmão.
Vá em paz!
Nenhum comentário:
Postar um comentário