quarta-feira, 11 de setembro de 2024

AQUARELA

 









Minha mãe sempre teve um olhar especial para com ele. Certa vez ela comprou uma tela de setenta por oitenta centímetros e disse ao meu irmão, à época com dez anos de idade, que era para que ele pintasse um quadro para presenteá-la no Dia das Mães.

Esse meu irmão, sorrateira e ardilosamente, foi à surdina idealizando o quadro e depois de algumas pinceladas a cada dia o escondia de todos, inclusive de minha mãe. Em certo segundo domingo do mês de maio ele trancou-se em seu quarto e, em que pese as reprimendas de nossa mãe, batendo na porta e pedindo que ele abrisse, só saiu de lá quando tinha terminado sua obra.

Nosso quarto era contíguo à cozinha onde minha mãe ao cuidar dos afazeres culinários de cada dia cantarolava suas canções. Entre elas havia uma que meu irmão adorava: a letra dava conta de uma velha senhora que todas as tardes esperava sob a sombra de uma mangueira, rezando um terço, a volta de seu filho querido que havia partido para a guerra.

Domingo, logo após o almoço, recebi a notícia de que meu irmão perdeu a guerra para um câncer.


domingo, 1 de setembro de 2024

NÚMEROS

 



Ultrapassei a marca de 400 mil acessos ao meu blog.

 

Eu acho muito expressivo, ainda que não tenha essencialmente alterado em nada a minha vida e, o melhor, nada a vida de nenhum daqueles que se debruçaram sobre os meus escritos.

 

Isso me dá um pouco de egosplazia. Não me perguntem o que vem a ser egosplazia, porque é algo que me ocorreu agora e expressa o que sinto, às vezes, quando acesso a minha página e leio certos comentários.

 

Sofro, desde a infância, da necessidade de palco e acho que, também por isto, perdi tanto tempo meu e dos leitores que me acessam aqui no FB e mesmo no blog.

 

Nesta altura da vida não vejo a menor possibilidade de me libertar desta carência sindromática de loas, e vou ficar muito triste quando, esfriando da vida, não ver amigos, mesmo que parte deles virtuais, jogando flores sobre minha tumba.

 

E gostaria muito, também neste evento, de ouvir um ou outro dizer: “Era um idiota, mas pelo menos sabia disto”.

 

Minha idiotia não aconteceu por um acaso de nascença, não veio embarcada no DNA, não é herança maldita nem materna e muito menos paterna. Minha idiotia foi elaborada asneira por asneira, tolice por tolice, devaneio por devaneio, delírio por delírio.

 

Nem eu mesmo teria saco para reler os 1373 posts para comprovar isto. Aliás, o simples fato de fazer uma proposta desta me qualifica no rol dos idiotas mais distintos.

 

É claro que alguns posts, poucos é verdade, devem ser excluídos da pecha de terem sido escritos por um idiota, mas por um Zé Ruela de meia tigela. Incluiria nestes aqueles que escrevi para meus netos antes de nascerem. Para Liz principalmente, pois, por ter sido a primeira neta, foi a maior vítima de minha zerruelize.

 

Marcados por uma idiotia cavalar, todos, foram os posts sobre política. Estes foram aqueles que mais eu primei. Juro que me lembro do sentimento que experimentei logo após editá-los. E ainda me surpreendo como eu pude tantas vezes retornar ao tema, embora, não fosse assim, eu não poderia ser considerado de fato um tremendo idiota.

 

Aqueles posts em que fiz crítica a filmes, peças de teatro, músicas não posso dizer que entrariam no rol, foram na verdade espasmos intelectualóides de quinta catiguria. Não são propriamente nem idiotas e nem zerruélicos.

 

Contos e/ou crônicas do cotidiano? Putz! Esqueçam.

 

Mas sabem o que mais me credencia como um perfeito idiota?

 

É a insistência em sê-lo.

COLORS

 



Acho "linda" a tese de que há uma "esquerda" e uma "direita" internacionais.
Coloca um pouco de pureza na vilania, acreditando que os fundamentos da disputa tenham raizes ideológicas, portanto, louváveis.
O mundo não está pintado em duas cores, mas em uma única: a cinzenta. Tudo passa por exploração perversa de figuras históricas mais do que comprometidas por interesses escusos e inconfessáveis.
A História trouxe aos tempos presentes a pior categoria de líderes que se poderia desejar para construir um tempo de paz, justiça e prosperidade.
Acrescente-se à isto a revolta da natureza.
Tempestade perfeita.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

LAPIDAR

    



Reduzir-me a esta insignificância mórbida?
Que nos aprisiona, sua magnânima, inexorável, insofismável certeza lúcida.
Não, eu não resistirei traduzido em restos, mas por marcas impregnadas pela minha passagem.
Permanecer em micronanomilimetro, um cabelímetro de meu no universo, da minha insignificância.
E você não levará, confirmando assim, a sua incompletude.
Não, você não pode tudo.
Não, não você não me levará, absolutamente.
É de fato provável que você saiba por onde andei, por onde marquei, mas jamais saberá quanto, porque isto você não levará de mim. Ficará em tantos com quem compartilhei meu coração bandido.
E, isto, você também não sugará porque será passado a tantos por todos os séculos e séculos.
Burra! Eterno sou eu.
Que sei, inclusive de você.
Rota, desnecessária, infame, sem graça, temporal.
Nula!


FOTO: Cantim de minha morada onde, espero, sejam lançadas as minhas cinzas.

terça-feira, 2 de julho de 2024

PICO

 



Comunico aos queridos amigos que, após minucioso diagnóstico, ser portador de doença rara entre humanos: Lucidez.

A Lucidez decorre do interesse do impaciente por busca do sentido da Vida, das relações de causa e efeito, da análise criteriosa de contextos, enfim, de todas as circunstâncias que assolam o portador.

O meu caso é considerado mais grave, porque agudo e crônico, na medida em que ao longo dos anos eu sempre me pautei pelo excesso no uso de informações de fontes fidedignas com alto nível de densidade de exatidão e pertinência.

A Lucidez pode ser letal via ocorrências de suicídio, surtos de ira ou descompensações, afogamento etílico e substâncias alucinógenas, inclusive em doses acima de 40 gramas (ou serão 30?), portanto ilegítimas (ou serão ilícitas?).

Até o momento, no meu caso, não ocorreram manifestações de nenhum dos ímpetos acima.

Um resto de humor ainda tem, e espero que permaneça, funcionado como antídoto a impulsos de autoextermínio ou a quadros de despirocações mais expressivas do que aquelas já manifestas no dia-a-dia.

Outro fator que tem contribuído de forma importante para atenuar o quadro dramático da patologia é a possibilidade de compartilhar a angústia resultante do agravamento da doença, pelo que agradeço eternamente aos queridos amigos que insistem em me visitar aqui.

Meu muito obrigado a todos.


quarta-feira, 19 de junho de 2024

CARTA À UM IRMÃO ERRANTE

 




 

Trinta e cinco dias faltaram-lhe para ultrapassar a barreira dos oitenta anos. E não lhe foi possível atender ao meu pedido.

Por onde anda agora, lembrará.

Eu te pedi, às vésperas da cirurgia de alto risco a que você foi submetido, há dois anos e pouco, que, caso retornasse, se fizesse uma proposta: de ser uma pessoa melhor, que pudesse ser lembrado por algo que efetivamente fizesse sentido à sua vida.

Sim, Mauro. Fui privilegiado pela Vida por ter me exposto a poucas e expressivas tristezas. Mas, uma delas, devo confessar e imensa foi observar a sua trajetória. Sempre me perguntei por que alguém poderia, sistematicamente, permitir-se tantos desacertos, desatinos, errâncias?

Não escrevo para fazer juízo de seus atos, mas para deixar registrado quanto eu sofri por não ver de você e em você algo que marcasse a sua passagem pela Vida.

Não que tivesse algo de extraordinário a fazer, mas algo pelo qual eu pudesse ter na lembrança e dizer: “Aqui ele me foi importante, ou importante a alguém.”

Se bem que, minto, quando morávamos eu e minha família em Vitoria, você esteve lá em casa e cuidou dos meninos durante alguns dias para que eu pudesse trabalhar e Vera ir para a faculdade.

Olha, eu estou me lembrando de quando da penúria na infância, você apareceu com pares de sapatos que serviam em mim, sabe-se lá vindos de onde.

Lembro também que, certa vez, fui pressionado pelos pais, aos quatorze anos, para que eu arrumasse trabalho, você interveio e disse: “Deixem que amanhã vou arrumar um emprego pra esse menino.” No dia seguinte, ansioso, fui contigo ao encontro da oportunidade. Você me levou ao campo do Cruzeiro, no Barro Preto, para assistir à um treino do time, e lá me disse: “Relaxe, viva a Vida.”

Há também o episódio em Cabo Frio que estávamos juntos no mar e nos vimos em palmos de aranhas, quase nos afogamos e juntos. Você ao sair, disse: “Que porra de mar besta, sô! Vê lá se me levas!”

E foi assim.

Hoje, ao despedir, quero que saibas: eu lhe sou muito grato por me revestir os pés descalços e viver a Vida. E isso foi imensamente extraordinário.

Muito obrigado, meu irmão.

Vá em paz!


segunda-feira, 27 de maio de 2024

MAU DITA DURA




Judiciário custou R$ 132,8 bi em 2023, com gasto mensal de R$ 68 mil por magistrado.


Valor médio do holerite de cada juiz supera em R$ 24 mil o teto do funcionalismo, segundo ‘Justiça em números’, documento elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça; ao todo, cada um dos 203 milhões de brasileiros gastou R$ 653,70 para bancar o Judiciário.

Blog do Fausto Macedo, 28 de maio de 2024



Uma justiça que condena a mais de quatro séculos de reclusão em regime fechado um ex-governador e o mantém solto, não lhes parece extranho?

Uma justiça, cuja estrutura permite tantas chicanas para que réus por crimes hediondos (como corrupção cancerígena) não tenham seus processos julgados no mérito, não lhes parece extranho?

Uma justiça que condena ao fogo dos infernos penitenciários milhares de indivíduos (pretos, pobres, pústulos) que furtaram ou roubaram pães em padarias, leites em supermercados, portadores/consumidores de gramas de drogas malditas, que mataram seus iguais na desgraçada vida, não lhes parece escambo?

Pertencer a uma sociedade que a tudo vê e reproduz a cada pleito dito democrático o abominável status quo, não lhes envergonha?

Vale a pena assistir:   DEBATE


terça-feira, 9 de abril de 2024

DESASSOSSEGO

 

O mundo não é mais como costumava ser.

As réguas do passado com as quais medíamos os fenômenos não servem mais ao presente e muito menos ao porvir.

Religião, Política, Ciência nunca estiveram tão distantes dos propósitos que seus princípios assim as determinavam. Os balizadores que delas emanam quase sempre se mostram distantes do Bom, do Belo e sobretudo do Justo.

A Fé namora com o fanatismo exacerbado adoecendo cérebros e corações. Há sinais de uma patologia social evidentes.

O Poder infesta-se, aqui e acolá, de interesses escusos impensáveis e o campo de luta por supremacia vaza em perversidades generalizadas e de grosso calibre.

A disputa não se trava pelas veias ideológicas, antes fosse. Estudiosos da Sociologia, da Filosofia, da Ciência Política ou até mesmo da Teologia não têm teses sobre o que se passa. Os fins justificam os meios, é o que grassa.

A Pessoa não importa.

Alienar-se absolutamente tornou-se imperativo, quase terapêutico. Buscar conviver com a insignificância e o pouco que cabe na microfísica do seu poder talvez seja o último lenitivo que resta ao cidadão comum.

Sobreviver à sua vida comezinha e a sua gigantesca e, como nunca experimentada, impotência e perda de sentido.

A Utopia está morta.


terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

ABISMO

 


Ah, os nossos imensos problemas!

É preciso agravá-los com outros de maior calibre para que não apontemos os nossos verdadeiros escusos interesses e nossa incapacidade objetiva de superá-los.

Nossas lideranças, por nós escolhidas, independentemente de cores ideológicas, convicções e sobretudo moral, estão aprofundando há décadas o nosso abismo.

Triste país cujo povo aliena-se na redoma da "zona de seus interesses" (vide filme) ou por força de sua mais do que cruel histórica ignorância patrocinada intencionalmente pelos seus vis governantes.