quinta-feira, 2 de novembro de 2023

VIVER

 

Amanheci vivo em mais um Dia dos Mortos e me pergunto: o que faço deste dia além de uma reverência àqueles que se foram levando neles a parcela original que em mim permanece?

Sim, eu sou ainda feito dos meus mortos, que impregnaram marcas indeléveis, tatuadas em meu espírito e em meu corpo. Eu sou o legado de tantos de quem absorvi e, além, sigo buscando aquilo, que em mim, ainda quero vivo.

Estou animado? Retiro da palavra o seu radical que grita: Ânima. Alma, energia.

O que está insepulto clamando para que eu deixe ir? Mágoas, ressentimentos, decepções, amores frustrados, ainda que eu próprio não admita: ódio.

E o que em medida maior, está vivo em mim, que ainda me faz buscar o sol, a luz, o tempo?

Quais lutas, pelejas, proponho ainda empreender? O que quero ainda fazer? A nova casinha dos netos? Editar meus textos? Trocar aquela torneira, que insiste em vazar, uma água tão pouca?

Não deixar a vida fluir como se não fizesse sentido e abrir mão daquilo que me deixaram para que eu perpetuasse.

Os jardins de minha mãe, as obras brutas de meu pai, a candura de minha avó materna, o afeto infantil de meu sogro, e tudo daqueles que ainda esperam de mim que a melhor parte deles pro siga.

Eu tenho uma imensa responsabilidade para com os meus mortos por estar vivo. Não quero abdicar dela, esperando que aqueles que de mim descendem e daqueles que porventura marquei, quando eu for, encontrem algum motivo para que a cada 02 de novembro me reverenciem.

A Vida precisa seguir o seu curso.




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