quarta-feira, 20 de setembro de 2023

KAIPAY.

 



Estivemos em Cuzco, Peru, em 2011. Hospedamo-nos no Hotel Monastério adquirido em 1999 pela Orient Express. Construído em 1595 sobre o Palácio do Inca Aman Qhala e fundado em 1598 como o Seminário de San Antônio Abad com o fim de formar sacerdotes católicos. Em 1692 tornou-se a Real Universidad Catolica, voltando a ser Seminário em 1816. Em 1965 foi restaurado por força de um terremoto ocorrido em 1950. Na década de 70 foi remodelado para converter-se em hotel. Uma maravilha!

Cuzco, em quéchua (idioma Inca), é COOSCO que significa centro do mundo. A cidade é localizada no centro das quatro regiões em que se dividia o Império Inca, a 3.350m de altitude e declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1984.

Visitamos QORIKANCHA, templo maior do Império, reverência ao Deus Sol. Foi construído pelos Incas em 1423 com pedras buscadas, no braço, a 7 km de distância. Quando os espanhóis chegaram a Cuzco em 1532 e viram o conjunto de obras, entre elas Qorikancha, repletas de ouro, consideraram-nas como sendo obras do diabo, já que para eles os incas seriam animais desprovidos de conhecimento e sentimento. Pobres colonizadores.

Fomos a SAQSAYHUAMÁN. Um imenso parque arqueológico. Os Incas plantaram ali o monumento ao Deus Raio, e reverenciaram as lhamas e os pumas, animais símbolos da cultura, assim como o condor (Machu Picchu). A construção com perto de 700 metros de extensão em forma de zig zag (lembrando a descarga elétrica produzida por um raio) de dois platôs de quatro metros de altura construído com blocos imensos de pedra trazidos de jazida a 14 km de distância pensando até 120 toneladas, cada bloco. INACREDITÁVEL! O encaixe dos blocos foram milimetricamente estudados e as pedras polidas. Há duas composições na parede inferior: uma pata do puma e outra o corpo da lhama, dentro da composição de blocos cuidadosamente colocados uns sobre os outros.

Fomos conhecer a Catedral de Cuzco. No geral ela não difere de outras tantas, mas há um particular: o sincretismo religioso, isto é, a convivência entre as duas culturas, Inca e espanhola. Os espanhóis tiveram que ceder muito aos operários e artistas nativos. A pregação católica colocou para os Incas que somos feitos à imagem e semelhança de Deus. Os quadros pintados e fixados nas paredes têm cavalos com corpos de lhamas e um Cristo de baixa estatura com as pernas cambotas e arqueadas, como as dos Incas. No suporte dos braços dos tronos do coral central, os “índios” artistas escandalizaram os espanhóis com as esculturas de mulheres com os seios desnudos e o ventre proeminente (deusa Terra).

A provocação maior está no quadro que retrata a Santa Ceia. Uma tela de quase dezesseis metros quadrados. À mesa não está um cordeiro, mas sim um CUY (porquinho da índia, que era um animal comum no prato dos Incas). “Quem foi Judas?”, perguntou o artista Inca ao espanhol responsável pela obra da Catedral. “Judas, foi o traidor de Cristo por dinheiro.” A representação de Judas lembra a todos os nativos o rosto de Pizarro, colonizador espanhol. Sobre a mesa, ainda, da Santa Ceia, duas garrafas de Chicha, suco de milho roxo, sem álcool, bebida típica cuzquenha. As imagens esculpidas das virgens são todas com a barriga enorme: grávidas.

Ao voltar para o Brasil eu trouxe algumas palavras que servem a uma síntese dessa experiência. Meu caminhar pelo diverso não tem a busca apenas no estético, mas e, sobretudo, ao que ele me remete.

Os Incas nos deixaram um precioso legado. Sobre altitude, terremotos e outros desastres ambientais, fortes chuvas, intenso inverno, sol escaldante, configurações geológicas íngremes, vales de alto risco de desprendimento de rochas, falta de animais para transporte de cargas, e um sem-número de outros obstáculos, ainda assim, em que pese todas essas restrições eles edificaram um patrimônio à humanidade deixando um tributo histórico de inestimável valor.

Foram colonizados, mas não perderam sua dignidade. Ouvi de um nativo: “Não tínhamos pólvora e nem cavalos, nos submetemos, mas eles não tiraram de nós as nossas tradições.” Esse parece ser o lema da essência da cultura Inca que é expressa numa palavra: KAIPAY que, em quéchua, significa RESISTÊNCIA.

Em outras viagens estive em templos sagrados em Taipei e Thaithong em Taiwan; diante da Sagrada Família de Gaudi em Barcelona; visitei a cidade arrasada de Pompéia; emocionei-me diante da Acrópole em Atenas; nas ruelas de Alhambra e Toledo na Espanha. Estive diante do Muro da Vergonha e visitei o monumento dedicado aos judeus vítimas do holocausto em Berlim e, em Dresden, a igreja reconstruída após cessarem os bombardeios na Alemanha. Percorri, em Moscou, o Salão das Lágrimas do Memorial à Segunda Guerra Mundial. Atravessei os lagos Andinos; vi a agonia do povo cubano no ocaso de um propósito; visitei a vila feudal de Monserrat em Portugal; o Coliseu e as diversas maravilhas de Roma. Deliciei-me com a irônica crítica de Miguelângelo na Capela Sistina. Pisei na Praça Celestial em Pequim e nos pomares do Kremlin.

Fui privilegiado por tantas outras peregrinações, no entanto, o todo daquela visita ao Peru diz respeito às minhas entranhas de cidadão do universo latino-americano, historicamente violentado, vilipendiado, humilhado pelos conquistadores ainda hoje com seus macabros, sedutores e perversos simulacros. Já era e continuará sendo minha regra de conduta no âmbito da microfísica do meu poder, no cotidiano, na família, no trabalho, na vida.

Quero fazer parte daqueles que resistem.

 


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

MORTE

 



Collor não cumprirá os mais de vinte anos de cadeia, pois foi um erro de julgamento.
Fernando Henrique nunca barganhou para a extensão de mandato e nem de reeleição.
Não houve corrupção federal no período de 2003 à 2010.
Dilma nunca andou de bicicleta.
Temer nem sabe quem são os irmãos de carnes e sequer frequentou portos.
Pandemia, só fora do Brasil. Aqui não morreram mais de 700 mil pessoas, boa parte delas por negligência do inquilino do Palácio da Alvorada cinza.
Nada como um povo independente.
De Justiça.

FOTO: ILUSÃO, captada em galeria da Infernet.
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