sexta-feira, 25 de novembro de 2022

GOL

 

“Siga seu luar interno; não esconda a loucura. Noticie o que você noticia”. 

(Allen Ginsberg)

 

Não estou bem certo, acho que me disseram que foi nos idos dos anos 70, um político mineiro quem disse: “O que importa não são os fatos, mas a versão que damos a eles.”.

A modernidade digital exponenciou os efeitos dessa assertiva. Especialmente em tempos globais de distanciamento, recolhimento, solidão compulsória.

Versão não é fake nem trolls, embora dependa de quem as produza e suas intenções. Assim como os fatos.

Factoide não é versão, embora dependa de quem o produza. Assim como as versões. O que vale dizer que o que é, depende.

A Rede Globo, no Brasil, assim como a RAI, na Itália, e tantas outras redes criaram uma versão de país. A rede digital cria uma versão do mundo. Não há nada que passe sem um like. 

Parece claro que a linguagem explicita o individual e o coletivo, tanto consciente quanto inconsciente. O que vale dizer que estamos todos em uma rede de versão dos fatos (sem trocadilho). Se é que eles, de fato, acontecem.

Coloque uma pitada de influencers, que proliferam aos milhares fixando marcos de referência para construir versões tácitas.

Dizer que, portanto, tudo é uma mentira cabeluda, não é de todo uma verdade. É apenas uma versão.

Ou então, uma aversão a tudo que está aí.

Se me perguntarem aí é onde, juro que crio um verso. O único lugar em que se encontra toda a verdade.

Um poema, como o gol do menino.

A beleza salvará o mundo.




sexta-feira, 11 de novembro de 2022

CONTAS

 

“Acabaram-se as festas, acabaram-se os fogos. Agora vem as contas.”

Ouvi esta frase, dita pelo então candidato Jânio da Silva Quadros, em um comício aqui em BH. Minha mãe foi cabo eleitoral da figura folclórica do esporte brasileiro mais sem graça: a Política.

Sem graça porque os perdedores sempre são os mesmos e tomam de balaiada dos vencedores, os mesmos de sempre com suas táticas e estratégias de jogo sujo, árbitros de interesses duvidosos, VAR com curtos-circuitos na hora do corte de linha.

O que o brasileiro tem de sobra é resiliência para seguir apesar dos pesares, apesar do jogo bruto.

Entra governo e sai governo, há décadas, e a gente sabe que vamos bancar o campeonato, a festa democrática, a transição, os cem dias e aí, entramos em campanha novamente para a próxima temporada.

Agora até com mortes, uma novidade importante, fora das quatro linhas, além dos inúmeros rompimentos em diferentes laços de afeto, amizade e coleguismo. Uma lástima, dos novos tempos.

Além de mortes a profusão de desinformação com interesses perversos que produzem uma avalanche nociva de interpretações amplificando a gravidade do momento.

Assim, em tempos de verdades de absolutos, ache tempo para desimportanças, ignoranças e trens inservíveis.

“Há várias maneiras de não se dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.”

Assista na Netflix ao documentário sobre Manoel de Barros, que nasceu com uma anomalia incurável. Nasceu poeta, um inútil.

Não vai adiantar nada, mas talvez encontre.





quarta-feira, 2 de novembro de 2022

FINADOS 2

 


Todo ato humano é, em essência, um ato político.

Mesmo aqueles desesperados, desassistidos, miseráveis, marginalizados, excluídos, têm por sua existência e natureza um espaço na cena da polis.

Mesmo inconscientes, descerebrados, ignorantes, párias, selvagens são membros da polis e, portanto, atores políticos.

O que se faz é fundir Política com Poder. Políticos com Instituições. Isto serve a destruir, na origem, a liberdade do sujeito de ser protagonista na constituição da polis.

Chega-se ao ponto de, dada à perversão semântica, constituir-se ofensa moral quando se nomeia alguém como “político”.

A tragédia social é intencionalmente segregatícia. Separam-se os quem têm poder daqueles que escolhem e se sujeitam ao poder. Política e Povo, como se fossem “entidades” separadas.

Penso que aqui reside o maior “mal” da cena: o discurso.

O discurso é intencionalmente sectário e ditatorial. Alguém exercerá sobre outrem o Poder discricionário. Mesmo aqueles que têm como papel o estabelecimento das leis, mesmo aqueles que têm como papel, fazê-las cumprir.

O homem é uma besta, portanto, precisa ser domado. Premissa civilizatória que sustenta a prática do “bem”, mesmo que leve à fogueira, milhões de atores refratários. Anexo: Inquisições, Holocausto, ditaduras de todos os matizes, e assemelhados.

Civilizar passa a significar lobotomizar o sujeito e coloca-lo à mercê dos ditames daqueles que, independentemente dos meios, alçam o Poder ainda que supostamente legal.

Estamos no ápice do declínio da civilização. Mesmo sem lupa, uma olhadela em torno, estampa a barbárie consentida. A História sempre nos apontou o equívoco.

A Inteligência não tem sido capaz de construir o Humano no Homem. O discurso configurado como ideário de propósito (ideologias) nasce fragmentado, partido.

Rompe toda a possibilidade de harmonização de direitos e deveres, produção e distribuição de riquezas implicando em subvida e vida indigna.

A lógica de todo discurso, mesmo o libertário, é perversa porque assim como o conservador, mantém na essência, o libelo da dominação.

O que quer este meu discurso? Absolutamente nada, apenas referendar os mortos.

O único lugar que nos lembra de sermos iguais.



NOTA: POST publicado aqui em 02 de novembro de 2018.