quinta-feira, 23 de junho de 2022

CARTA

 

CARTA A UMA AMIGA QUERIDA


Penso que não seria necessário escrever-lhe para expor minhas razões por ter publicado o post anterior, a partir do qual, respondendo à um comentário que fiz, possa ter lhe causado um mal-estar.

Imagino sua reação: “O Agulhô não podia ter escrito isto.” “O Agulhô, não.” “É imperdoável.”

Você sabe quanto respeito você e Nelson e quanto os admiro pela irretocável carreira e brilhantismo intelectual, além da gratidão que tenho por todo o carinho que ambos sempre tiveram por mim e minha família.

Lamento muito que as razões que os movem não serem as mesmas minhas. Lamento tanto e, sobretudo, que as razões que os movem são semelhantes àquelas que a pessoa, com quem convivo há mais de cinquenta e três anos, também alimenta.

Lamento, não porque gostaria que vocês “pensassem” como eu, longe disso. Lamento, profundamente, que por força destas razões, a gente se distancie, como tantos fizeram.

Minhas razões fundamentam-se no que conheço da história política recente de nosso país. Dediquei-me muito do meu precioso tempo a pensar a respeito, fundamentando-me em informações fidedignas e acompanhando sistematicamente o desenrolar dos principais fatos quando estavam ocorrendo.

São vastas e complexas as razões e qualquer síntese resultará arriscada para o melhor entendimento. Ouso correr o risco, no afã de fazer compreender-me.

Recorro-me a um único fato. No último mês de abril, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou decisão monocrática do desembargador convocado Leopoldo de Arruda Raposo e manteve a condenação do ex-ministro José Dirceu (a 27 anos e um mês de reclusão em regime fechado) e de outros réus no âmbito da Operação Lava Jato, em processo que apurou condutas ilícitas de empresas privadas, agentes políticos, funcionários públicos e integrantes da Petrobras.

São inúmeros outros processos que tramitam ou tramitaram na justiça sobre a questão que é impossível desconsiderar na medida em que envolve o assalto aos cofres públicos e que varreu do mercado as maiores companhias de engenharia pesada do país.

Não consigo aceitar a tese de que durante dois mandatos em que os fatos ocorreram o ex-presidente não tinha conhecimento deles. Aliás, se aceitar esta tese, como um ingênuo, seria suficiente para não apoiar seu retorno ao posto.

A corrupção é um câncer que dilacera o tecido social e ela é secular no Brasil e em outros países. Este é outro argumento que, muitas vezes, é usado para “compensar” os atos beneméritos do ex-presidente.

A defesa do ex-presidente fez um trabalho extraordinário, meritoso e dentro das melhoras práticas jurídicas, e obteve o cancelamento da maioria dos processos. Noventa e nove por cento dos apenados em cárcere, não tiveram a mesma cobertura para livrá-los das penas por meio de inúmeros expedientes que a imbricada justiça brasileira contempla.

O mérito não foi julgado e nem o será.

No entanto, minhas principais razões para não apoiar o retorno do ex-presidente prendem-se a estes fatos. A que tenho dado maior relevância é que, por força deles, milhões de brasileiros foram induzidos, em 2018, a escolher o traste que hoje nos governa.

Dramática consequência.

O pior é que estamos há anos com isto engasgado e vitimando tantos amigos, famílias e a sociedade em geral em extensão quase patológica.

Amiga querida, tudo entre nós, menos isto.

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