CARTA A UMA AMIGA QUERIDA
Penso que não seria necessário
escrever-lhe para expor minhas razões por ter publicado o post anterior, a
partir do qual, respondendo à um comentário que fiz, possa ter lhe causado um mal-estar.
Imagino sua reação: “O Agulhô
não podia ter escrito isto.” “O Agulhô, não.” “É imperdoável.”
Você sabe quanto respeito você
e Nelson e quanto os admiro pela irretocável carreira e brilhantismo
intelectual, além da gratidão que tenho por todo o carinho que ambos sempre
tiveram por mim e minha família.
Lamento muito que as razões
que os movem não serem as mesmas minhas. Lamento tanto e, sobretudo, que as
razões que os movem são semelhantes àquelas que a pessoa, com quem convivo há
mais de cinquenta e três anos, também alimenta.
Lamento, não porque gostaria
que vocês “pensassem” como eu, longe disso. Lamento, profundamente, que por
força destas razões, a gente se distancie, como tantos fizeram.
Minhas razões fundamentam-se
no que conheço da história política recente de nosso país. Dediquei-me muito do
meu precioso tempo a pensar a respeito, fundamentando-me em informações
fidedignas e acompanhando sistematicamente o desenrolar dos principais fatos quando
estavam ocorrendo.
São vastas e complexas as
razões e qualquer síntese resultará arriscada para o melhor entendimento. Ouso
correr o risco, no afã de fazer compreender-me.
Recorro-me a um único fato. No
último mês de abril, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
confirmou decisão monocrática do desembargador convocado Leopoldo de Arruda
Raposo e manteve a condenação do ex-ministro José Dirceu (a 27 anos e um mês de
reclusão em regime fechado) e de outros réus no âmbito da Operação Lava Jato,
em processo que apurou condutas ilícitas de empresas privadas, agentes
políticos, funcionários públicos e integrantes da Petrobras.
São inúmeros outros processos
que tramitam ou tramitaram na justiça sobre a questão que é impossível
desconsiderar na medida em que envolve o assalto aos cofres públicos e que
varreu do mercado as maiores companhias de engenharia pesada do país.
Não consigo aceitar a tese de
que durante dois mandatos em que os fatos ocorreram o ex-presidente não tinha
conhecimento deles. Aliás, se aceitar esta tese, como um ingênuo, seria
suficiente para não apoiar seu retorno ao posto.
A corrupção é um câncer que
dilacera o tecido social e ela é secular no Brasil e em outros países. Este é
outro argumento que, muitas vezes, é usado para “compensar” os atos beneméritos
do ex-presidente.
A defesa do ex-presidente fez
um trabalho extraordinário, meritoso e dentro das melhoras práticas jurídicas,
e obteve o cancelamento da maioria dos processos. Noventa e nove por cento dos apenados
em cárcere, não tiveram a mesma cobertura para livrá-los das penas por meio de
inúmeros expedientes que a imbricada justiça brasileira contempla.
O mérito não foi julgado e nem
o será.
No entanto, minhas principais razões
para não apoiar o retorno do ex-presidente prendem-se a estes fatos. A que
tenho dado maior relevância é que, por força deles, milhões de brasileiros
foram induzidos, em 2018, a escolher o traste que hoje nos governa.
Dramática consequência.
O pior é que estamos há anos
com isto engasgado e vitimando tantos amigos, famílias e a sociedade em geral
em extensão quase patológica.
Amiga querida, tudo entre nós,
menos isto.