Fragmento do artigo de Eli Saslow, publicado hoje no THE
WASHINGTON POST:
O míssil foi batizado de
Minuteman III, e sua plataforma de lançamento foi instalada na propriedade dos
Butchers na época da Guerra Fria, quando a Força Aérea pagou US$ 150 por 4 mil
metros quadrados da terra da família enquanto instalava armas nucleares por
todo o Oeste rural. Cerca de 400 daqueles mísseis continuam ativos e prontos
para serem lançados em poucos segundos a partir de Montana, Wyoming, Dakota
do Norte, Colorado e Nebraska. Os armamentos estão instalados em áreas de
conservação de bisões e reservas indígenas. Ficam em localidades como uma
floresta nacional, atrás de um estádio de rodeio, na mesma rua de uma pequena
escola e dentro de dezenas de fazendas privadas, com a dos Butchers, que há 60
anos têm como vizinho mais próximo um míssil nuclear.
O armamento está enterrado em
um local cercado por cercas metálicas, sob uma comporta de 110 toneladas feita
de concreto e aço. O míssil tem 18,3 metros de comprimento. Pesa 36.029 quilos.
Possui uma força ao menos 20 vezes maior do que a da bomba atômica que matou
140 mil pessoas em Hiroshima. Uma equipe da Força Aérea fica estacionada
num bunker subterrâneo a poucos quilômetros de lá, pronta para disparar o
míssil no momento que a ordem chegar. O projétil levaria cerca de 3,4 segundos
para deixar o silo e cortar o céu da fazenda a 3.048 metros por segundo. Foi
projetado para atingir uma altura de 112,7 quilômetros, voar para o outro lado
do mundo em 25 minutos e explodir a poucos metros de seu alvo. A bola de fogo
resultante é capaz de vaporizar todos os seres humanos e estruturas do local da
explosão num raio de 800 metros. A explosão arruinaria edifícios num raio de 8
quilômetros. Incêndios secundários e doses fatais de radiação se espalhariam
por dezenas de quilômetros quadrados, resultando no que especialistas militares
americanos qualificam como “aniquilação nuclear total”.
O local é conhecido pelo
governo como Plataforma de Lançamento E05, um dos 52 silos de mísseis nucleares
instalados nas tradicionais fazendas do Condado de Fergus. O governo escolheu
transformar as desoladas pradarias de Montana em centro de atividades nucleares
nos anos 50, em razão do que foi descrito como uma relativa proximidade à
Rússia e também porque a região poderia atuar como o que especialistas chamavam
de “esponja nuclear sacrificial”, no caso de uma guerra atômica. A teoria era
que, em vez de despejar todos os seus mísseis em grandes cidades americanas, um
inimigo usaria, em vez disso, alguns de seus mísseis para atacar os silos
espalhados por Winifred, Montana, lar de 35 mil cabeças de gado e 189
moradores, cujos aniversários de nascimento e casamento são impressos no
calendário oficial do município.
O ressequido capim amarelo que
cobre os 4 mil metros quadrados do governo se confunde com a paisagem do
restante da fazenda dos Butchers, mas a Força Aérea instalou uma cerca de
alambrado e um banheiro químico. Atrás da cerca, há alguns postes telefônicos,
um pequeno círculo de concreto sobre o chão e uma tampa de bueiro metálica que
dá acesso ao bunker. “Entrada proibida”, diz uma pequena placa. “Autorizado o
uso de força letal.”
Quando os militares
construíram a plataforma de lançamento, durante a adolescência de Ed Butcher,
ele considerava a instalação principalmente como um potencial intrusão, um
símbolo do exagero do governo, que ele qualificava como uma “insanidade da
corrida nuclear armamentista”. Ele nasceu enquanto a guerra atômica surgia, e
mesmo que o historiador que existe nele acreditasse que as bombas nucleares
lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki foram necessárias para pôr fim à 2ª Guerra,
ele esperava nunca mais voltar a testemunhar esse tipo de devastação durante
sua vida. Quando era professor de faculdade, ele dirigia uma kombi com o
símbolo da paz pintado na janela traseira, e sua esposa compareceu a um pequeno
protesto contra os mísseis Minuteman diante de um prédio do governo federal na
região rural da Dakota do Norte. Eles se mudaram para a fazenda achando que
poderiam testemunhar dramas nucleares dos quais haviam escutado falar a
respeito de outros silos: vazamentos de lixo tóxico, acidentes que quase
causaram explosões, espiões russos ou grupos de freiras se acorrentando às
cercas do silo em atos de protesto.
Mas, em vez disso, toda vez
que Ed passou pelo silo para ver o que acontecia por lá, não se deparou com
nada além do vento e da paisagem — e ocasionalmente com alguma vaca enroscada
na cerca. A Força Aérea substituiu o míssil Minuteman original por um Minuteman
II e depois por um Minuteman III. Equipes de soldados construíram estradas de terra
melhores na fazenda dos Butchers. No inverno, os militares passam a máquina
para retirar neve das vias. E empregaram eletricistas e empreiteiros do Condado
de Fergus, que trabalharam no campo de lançamento principalmente na calada da
noite e, até onde Ed pode dizer, nunca aconteceu nada de excepcional por lá. O
míssil nunca foi lançado. O apocalipse nuclear nunca ocorreu. Depois de um
tempo, o silo passou a parecer para Ed mais uma parte da paisagem, em vez de
uma ameaça — como se fosse uma relíquia benigna da Guerra Fria. Eram 4 mil
metros quadrados em meio a mais de 48 milhões de metros quadrados. Pelo menos
era isso que Ed pensava até o fim de fevereiro, quando a Rússia invadiu a
Ucrânia e o presidente Vladimir Putin colocou suas armas nucleares em alerta
máximo.
“Aposto que os satélites
russos estão contando até quantos fios de cabelo ainda cobrem minha cabeça
neste exato momento”, afirmou Ed.
Ele olhou para o céu e depois
puxou a aba de seu chapéu para baixo, na direção dos olhos, deu as costas para
o silo e voltou a conferir seu gado. “Eu gostava mais quando esse lugar parecia
um pedaço da história”, afirmou ele.
Até breve.
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