Há exatos cinquenta anos iniciei
o cumprimento do dever cívico de prestação do serviço militar.
Em uma das paredes dos
pavilhões do quartel em que servi uma sentença (sentido duplo, por favor)
estampada em letras garrafais: “SE QUERES A PAZ, PREPARA-TE PARA A GUERRA.”
Li e ainda leio muito.
Confesso que tudo que pude conhecer através deste gosto foi capaz de registrar
tamanha síntese sobre a condição humana.
Segundo o instituto americano Alvin
Tofler, 7% dos produtores de conhecimento, desde o início da história do Homem,
estão mortos. O que vale dizer que 93% dos produtores de conhecimento estão
vivos e produzindo conhecimento agora.
Cinquenta mil anos de “descobertas”
extraordinárias em todos os campos civilizatórios, no entanto, nenhuma delas
foi capaz, até aqui, de nos afastar da “besta” que ainda somos.
Estamos no mesmo “lugar” que
sempre estivemos: da desrazão, da irracionalidade, da bestialidade.
A tragédia humana, essa condição,
como sentença.
Quando tomei contato com a
notícia que os russos capturaram a primeira grande cidade ucraniana, Kherson,
lembrei-me do livro de Lionel Shriver: Precisamos falar sobre o Kevin.
A autora realiza uma espécie
de genealogia do assassínio ao criar na ficção uma chacina similar a
tantas provocadas por jovens em escolas americanas.
Aos 15 anos, o personagem
Kevin mata onze pessoas, entre colegas no colégio e familiares. Enquanto ele
cumpre pena, a mãe Eva amarga a monstruosidade do filho.
Um ano e oito meses depois,
ela dá início a uma correspondência com o marido, único interlocutor capaz de
entender a tragédia, apesar de ausente. Cada carta é uma ode e uma
desconstrução do amor. Não sobra uma só emoção inaudita no relato da mulher de
ascendência armênia.
Cada interstício do histórico
familiar é flagrado: o casal se apaixona; ele quer filhos, ela não. Kevin é um
menino entediado e cruel empenhado em aterrorizar babás e vizinhos. Eva tenta
cumprir mecanicamente os ritos maternos, até que nasce uma filha realmente
querida. A essa altura, as relações familiares já estão viciadas. Contudo, é à
mãe que resta a tarefa de visitar o "sociopata inatingível" que ela
gerou, numa casa de correção para menores. Orgulhoso da fama de bandido
notório, ele não a recebe bem de início, mas ela insiste nos encontros
quinzenais.
Por meio de Eva, Lionel
Shriver quebra o silêncio que costuma se impor após esse tipo de drama e expõe
o indizível sobre as frágeis nuances das relações entre pais e filhos num
romance irretocável.
Penso que o nome da personagem
é intencionalmente simbólico: EVA.
Pois é, precisamos falar sobre
o Amor. Precisamos falar sobre o nosso legado.
Se é que ainda haverá tempo.
NOTA: Parte do texto "adaptei" de resenha do livro encontrada na web.
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