segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

PAIXÕES

 


- Meu filho!

- Fala, mãe!

- Deus que me livre, nossas conversas estão de amargar, você não acha?

- Mãe e filho podem falar de um tudo, né.

- Tudo bem, mas vamos açucarar esse papo senão prefiro ficar aqui ouvindo as lamentações de seu pai.

- Ele continua?

- Não conte pra ninguém, mas ele continua com o ciúme do padre até hoje...

- Mas ele tem razão pra...

- Meu filho, comporte-se! Respeite sua mãe!

- Tudo bem, mas que ali tinha coisa tinha...

- Uma paixão clandestina, quem é que não teve?

- Bora mudar de assunto?

- Num tô falando?

- Genérico, né mãe?

- Sei, viu? Você continua aquele menino de coração mole, né?

- Tive a quem puxar, né?

- Escrevendo, filho?

- Uns trem sem pé nem cabeça...

- Leva a sério a escrita, meu filho. Principalmente agora, mais vivido.

- Sempre levei escrever a minha atividade mais séria...

- Editou um de seus livros?

- Não.

- Então? Como pode ser séria.

- Penso que não há mais o que escrever que verdadeiramente valha a pena, mãe. O que era essencial já está escrito. O que se faz são derivações dos clássicos.

- Não diga uma coisa dessas, Lozinho. Derivações sobre novas leituras abrem horizontes desconhecidos.

- Pode ser...

- Você gostava tanto do Guimarães Rosa, há algo de mais original?

- “Pelejar por exato dá erro contra a gente. Não se queira, viver é muito perigoso.”

- Ele embrenhou pelos sertões da complexidade para chegar ao simples, meu filho. A simplicidade é o ápice.

- Que nem ele foi o Manoel de Barros...

- Cruzo com o pantaneiro aqui, às vezes, com seus caderninhos de anotações e seu toco de lápis...

- “A morte é indestrutível.”

- Beba deles, meu filho. Você não se saciará.

- Mãe?

- O que é meu filho?

- Eu adoro poder conversar contigo.

- Vamos continuar amanhã, então. Tenho mais o que fazer.

- Beijo, mãe.

- Beijo, Lozinho.


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