“Tecnologias são ferramentas que refletem os
que as usam. A internet é um espelho da sociedade e, se você não gosta do que
lá vê, não quebre o espelho, mas tente mudar o que nele está refletido”. (Vint
Cerf, pioneiro da rede e um dos criadores do TCP/IP, o protocolo que deu voo à
internet)
Desafio estimulante esse de
acompanhar novas realidades, em sendo cada dia mais velho. Sim, velho no
sentido de ter vivido/passado sob outras circunstâncias, outros parâmetros, ou
saberes, quereres, poderes.
Especialmente agora, em que o
tempo foi solapado pela pandemia, tirando de nós um pouco do controle de seu
passar e, ainda, nos deslocou dos espaços convencionais de convivência.
Some-se ou atribua-se tudo
isto ao advento da tecnologia digital, que nos trouxe a exposição franca,
extensa e frequente de um tudo que, queiramos ou não, nos acomete.
Poderíamos até supor que
vivemos um tempo de transição. Minha suposição vai em outra direção: acho que a
avalanche de transformações disruptivas extrapola suas influências direta ou
indiretamente sobre cada um de nós.
Penso que a avalanche é, em
si, a “nova realidade” e estar revolvido ou massacrado por ela constituirá a
nossa reserva psíquica, sobretudo.
Gostei muito, porque me
identifiquei com algumas facetas da protagonista do filme Pelas Ruas de Paris,
em cartaz na Netflix.
Reproduzo aqui a crítica (com
pequenos ajustes) de Vinícius Gonçalves, publicada no site Cinemascope.
“Como
se posicionar diante à devastadora crise – política, econômica, social – em que
vivemos? De que modo podemos conciliar a monotonia e a alienação cotidiana com
novas formas de existência? Pelas Ruas de Paris é um filme
que, do começo ao fim, indaga sobre a nossa condição existencial, nos
desamarrando das certezas e crenças que gestam nossas vidas.
Longe
de centrar a história na tensão do relacionamento em que vivem Anna
(Noémie Schmidt) e o seu namorado, Greg (Grégoire Isvarine), o longa parte
dessa premissa para detonar questões de natureza existencial que tocam
profundamente na razão de ser da vida.
Como
de práxis em filmes franceses, vemos a experimentação audiovisual extrapolar o
uso convencional da linguagem, demonstrando como forma e conteúdo
necessariamente precisam estar alinhados para que se extraia do cinema, a sua
real potência. Isso se materializa no modo como a obra, de um lado,
problematiza a nossa existência, indagando sobre a essência da vida, nunca
esgotando a reflexão, ao contrário, colocando mais e mais perguntas no decorrer
do filme. E, de outro lado, por meio de uma filmagem vertiginosa que mais
apresenta as reflexões do que narra os acontecimentos, como estamos
acostumados.
O
conflito central é o de Anna que, vivendo ao lado de Greg, tenta ao máximo
problematizar a sua condição existencial. Esse modo desviante do ser da
personagem, com crescentes interrogações filosóficas/existenciais, confere à
Anna um caráter de outsider. Isso se corporifica na belíssima cena
em que Anna, em meio a uma multidão, caminha contra o fluxo corrente de
pessoas.
Como
evidencia o próprio título do filme, a rua é o cenário que dá corpo às
reflexões. A personagem em quase nenhum momento cessa de caminhar ou correr. Em
meio a protestos, conflitos sociais e tragédias convivemos com as angústias da
personagem que, não obstante, são as nossas próprias.
A
obra não se apresenta como um buraco sem fundo, onde drama, depressão, solidão
e pessimismo ofuscam a potência da vida. Em meio ao conflito existencial, Anna
aponta para modos de conciliação com a existência, mesmo que por rumos vagos e
imprecisos, a personagem convoque outros modos de organização da vida coletiva
e de existir.
À
deriva, Pelas Ruas de Paris, onde sonho e realidade se tornam
uma coisa só, convivemos com as indagações de Anna que não apenas dizem
respeito ao seu personagem.”
Na realidade, são questões
próprias de todos nós e de nosso tempo.
Até breve.
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