Final dos anos 70. Comprei a revista
Playboy. A desculpa que dei em casa era que me interessava pela entrevista
contemplada naquela edição.
Folheei as primeiras páginas,
cheguei à entrevista.
Antes de iniciar a leitura lembrei-me
de um filme que havia visto sobre o entrevistado. Na primeira cena há o
encontro da mãe com uma cartomante, poucos dias depois dele nascer. A vidente declara:
“Este menino nasceu pra ser rei.”
Aquele sujeito estava
predestinado.
Foi com este espírito que li a
entrevista de Pelé, que estava despedindo-se da carreira. A leitura foi uma
experiência marcante e, por diversas vezes, usei dela para ilustrar minhas aulas
para executivos em escolas de negócios.
Pelé foi barbaramente caçado
pelos defensores do time de Portugal na Copa de 1966, sempre da linha da
cintura para baixo. Dondinho, ex-jogador de futebol, pai de Pelé,
reiteradamente pedia ao filho que tomasse muito cuidado para ele não quebrar as
pernas.
Pelé deixou a partida,
carregado em maca, seriamente contundido e ali começamos a perder a chance de
sermos tri.
Na entrevista ele relata que, para
Copa de 1970, depois dos coletivos com bola, ia sozinho para a pista de
atletismo. Trocava as chuteiras por sapatilhas de corredores de saltos em
obstáculos e ele próprio montava-os e, por inúmeras vezes, fazia todo o
percurso da pista.
Lendo a entrevista lembrei-me
de filmes do Canal 100, documentários que, à época, antecediam os filmes nos
cinemas. As câmeras registravam as cenas de jogos na base do gramado. Assisti,
em algumas delas, Pelé saltando as foiçadas que recebia dos adversários.
Quando dos preparativos para a
Copa de 1970, alguns jornalistas esportivos questionavam a convocação dele
sobre a alegação de que o seu estilo estava ultrapassado. Era muito clássico e
o futebol moderno era de velocidade.
Na entrevista, Pelé relata que
depois dos saltos de obstáculos ele trocava a sapatilha pela específica para
fundistas de cem metros rasos. E fazia inúmeros “tiros” na pista, sem plateia.
Assisti a um jogo no Mineirão
da Seleção Brasileira. E vi Pelé ultrapassar seus adversários feito um bólido
que me fez fazer um comentário com meu pai: “Pai, ele vai subir as
arquibancadas?”
Ao final da entrevista, Pelé
foi perguntado o que faria depois de abandonar o futebol. Pelé responde: “Vou aprender
judô.” Surpreso, o jornalista indaga: “Você pretende ser campeão de judô?”
Pelé, singelo, arremata: “Não, eu quero aprender a cair.”
Eleito o melhor atleta do
século de todas as modalidades do esporte por centenas de jornalistas
especializados do mundo inteiro, ali naquela entrevista, ele me fez refletir.
Nasce-se ou tornar-se?
Rei.