terça-feira, 10 de agosto de 2021

FURM(USURA)

 

Ultimamente, de uns meses para cá, no final da tarde de domingos as pessoas que me chegam às sextas vão-se e me deixam só.

Eu e Deus.

Herdei de minha mãe o gosto pelo recolhimento. Ela adorava sua casa, seu jardim, seu altar de Nossa Senhora Aparecida (?), sua sala de visitas sempre fechada.

As circunstâncias contribuíram para permitir a mim o trabalho remoto, ainda que eu me ressinta de não o poder fazer com o calor das gentes e seus corpos.

Na juventude escrevi um texto em que consta: “Meu caminho é uma marcha para a solidão”.

Fiquem tranquilos, isto está longe de ser deprê. Antes pelo contrário. Eu me relaciono muito bem comigo, são raras às vezes que eu e eu mesmo entramos em conflito a ponto de produzir debaques.

E com Deus, sempre foi pacífica a relação. Temos um acordo tácito que vem funcionando bem: ele me aponta o caminho e eu, quando o transgrido, assumo a responsabilidade.

Trodia eu fui trocar lâmpadas e coloquei os pés da escada em falso. Precipitei do último degrau sem maiores consequências. Deus estava bem ao meu lado e, se risse, eu teria a mesma reação que Lelê quando se estrebucha no chão.

- Doeu, viu Deus!

Ontem, por sua vez, quando fui dar o alimento aos bichos (passarinhos que vagueiam soltos pelos meus jardins, galinhas, peixes e cachorras), deparei com Laka e observei que ela estava estranha.

Laka é nossa cadela mais velha, está com 10 anos e quatro meses, portanto, se fosse gente, estaria perto dos oitenta anos de idade. Seu olhar para mim suplicava atenção.

Estava ofegante e com a boca aberta. Resolvi levá-la ao veterinário. Coloquei-a dentro do meu carro no piso do banco dianteiro de passageiro. Quando saia da garagem, olhei pela janela e vi Deus na varanda. Ele fez sinal de positivo com o polegar.

- Não vou demorar..., eu disse abanando a mão direita.

Na clínica, enquanto a veterinária examinava Laka e dava o diagnóstico de intoxicação, aplicava injeção de corticoides e prescrevia um remedinho, vi Deus sentado na sala de espera.

- Caramba? Não te deixei em casa?

Passei o dia em reuniões alternadas e, à noite, fui como de costume zapear um pouco os canais iutubianos a procura de vídeos musicais. Aliás, como Deus, a música anda sempre ao meu lado. Onde vou a levo. Sem ela e sem Ele é como se eu não fosse.

Só que antes, inadvertidamente, entrei no canal de notícias e vi que haveria hoje cedo uma parada militar.

Amanheci com o firme propósito de escrever uma história e ilustrá-la com uma foto que denunciasse minha solidão. E formosa.

Deus tá vendo.


Até breve.


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