Eu estava executivo em uma
empresa. Houve uma mudança de direção e logo nos primeiros atos da nova
governança eu percebi que nossos princípios e valores não se coadunavam.
Ano e poucos meses depois de
largo e profundo mal-estar, ocorreu de eu ir assistir a uma peça de teatro. O
louco circo do desejo, acho que era esse o título.
Dois personagens: um
engenheiro e uma prostituta. Ali pelo meio da peça, o texto se acalora, e um
conflito brutal se estabelece. O engenheiro, em dado momento, brada: “Prostituta!”.
A atriz esgrima com o braço direito, como se cortasse ao meio o oponente, e
retruca gritando mais alto e pontuando cada sílaba: “En...ge...nhei...ro!”.
Imediatamente após a cena
senti uma ‘fisgada’ no cérebro. Enquanto a plateia gargalhava eu me contorcia
numa dor imensa. Minha esposa ao meu lado, ao perceber, me perguntou o que
estava acontecendo. Eu não conseguia respondê-la. Sugeriu que nós saíssemos,
mas eu me neguei e seguimos até o encerramento do espetáculo.
Naquela noite não consegui
dormir. Na manhã seguinte fui de carro para o trabalho. No percurso de minha
casa até a sede da empresa, um pequeno trecho de rodovia simples. Em dado
momento, a cena fatídica volta à minha memória. Eu perco o controle do veículo
e, para minha sorte, o carro encontra um ponto de fuga avança alguns metros e,
sei lá se eu ou se pelas condições do terreno, para.
Saí cambaleando e me apoiei no
capô do carro. Logo depois algumas pessoas, que passavam pelo local, vieram ao
meu encontro. Ficaram comigo até terem seguro de que eu estava em condições de
retomar a direção do veículo.
Entrei novamente no carro e,
antes de dar partida no motor, recordei-me do que havia ocorrido minutos atras.
Eu revisitava a cena da peça quando me ocorreu uma frase: “Prostituta é uma pessoa
que, ao final do expediente, diz: um dia eu largo essa vida.” A dor sentida na
noite anterior voltou mais aguda o que fez com que eu perdesse o controle do
veículo.
Liguei o carro e, ao contrário de tomar rumo em direção à empresa, fui para casa. Tomei um banho, deitei-me na cama e entrei em sono profundo. No dia seguinte pedi demissão.
Ontem comprei o livro da foto.
Elif Shafak é uma escritora
turco-britânica com dezoito livros publicados, traduzida para 54 idiomas. Doutora
em Ciência Política, ela já lecionou em universidades na Turquia, nos USA e no
Reino Unido. Recebeu o título de Chevalier des Arts et des Lettres, é
vice-presidente da Royal Society of Literature e membro do Conselho Global do
Fórum Econômico Mundial.
No livro, Leila Tequila, uma
prostituta, está morrendo em meio ao lixo nos subúrbios de Istambul. Durante os
10 minutos e 38 segundos que o cérebro leva para parar de funcionar ela vai
relembrar a trajetória de sua vida.
Devo começar a lê-lo neste
final de semana, mas já me serviu.
Estivesse 10 minutos e 38
segundos do fim, que balanço faria?
Até breve.
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