quarta-feira, 21 de abril de 2021

IMBROGLIO

 



Nossas vastas ilusões somadas às nossas parcas informações nos levam às nossas convicções.

Simples assim.

Nunca dantes estivemos tão expostos a tantos estímulos fantasmáticos. A imaginação governa o mercado e, por extensão, as nossas vidas convidando permanente e deliberadamente ao novo, à inovação.

O delírio está na ordem do dia como elemento catalisador de estímulos.

O personagem de Anthony Hopkins no filme INSTINTO, está encarcerado e é visitado em sua cela pelo psicólogo do Estado. Insano ele surpreende o terapeuta, dá-lhe uma gravata imobilizando-o e pergunta:

- O que não podemos jamais perder?

O psicólogo, sem ar, murmura algo e o presidiário responde contundente:

- A ilusão.

Uma pessoa sem ilusão é uma pessoa sem sentido: sem direção, sem significado e sem sentimentos.

Por outro lado, somadas aos nossos vastos delírios fantasmáticos, nunca dantes estivemos com acesso, portabilidade e instantaneidade de informações como no tempo presente, com várias perspectivas de amplificar ainda mais cincogêmente falando.

Temos à disposição, com apenas um clic, acesso imediato à todas as obras digitalizadas de perto de setecentas das melhores bibliotecas do mundo. Basta preencher na lacuna da maquininha: PROCURA ou BUSCA.

Todo aquele que diz que sabe é porque está mal informado.

Vastas ilusões. Zilhões de informações.

Ocorre que ilusões e informações constituem, portanto, nossas convicções e nossas convicções são o aparelho com o qual manejamos nossas relações.

Este o Inferno. O Outro. O Demo.

Ouvi, de viva voz e presencialmente, do pensador francês Alan Badiou: “A Vida apresenta-se travestida de complexidade, mas continua simples”.

Nunca mais fui o mesmo.


Até breve.



terça-feira, 13 de abril de 2021

FRAGMENTOS

 




"O eleitor é o herói-vítima de quem fala por ele e a quem se impõe uma ação que talvez não queira. Sondagens são rédeas, reduzem a democracia ao mínimo eleitoral e empurram o País para o abismo da urna outra vez como panaceia e loteria". 

Paulo Delgado (em artigo no jornal  Estado de São Paulo, 14abr21)



A História se repete:

Em 2018, “Eles” tramaram para tirar o candidato às eleições porque ele teria liderado assalto de bilhões de reais do erário.

Agora, “Eles” tramam tirar o candidato à reeleição em 2022, porque ele não teria liderado as ações para reduzir as 355 mil mortes por COVID.

E “Nós”?

Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Somos uns boçais

Será que nunca faremos senão confirmar
A incompetência da América Católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos
Será, será, que será?

Queria querer cantar afinado com eles
Silenciar em respeito ao seu transe num êxtase
Ser indecente
Mas tudo é muito mau

Será que apenas os hermetismos pascoais
E os tons, os mil tons
Seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão
Dessas trevas e nada mais

Eu quero aproximar
O meu cantar vagabundo
Daqueles que velam
Pela alegria do mundo
Indo mais fundo
Tins e bens e tais!
Indo mais fundo
Tins e bens e tais!
Indo mais fundo
Tins e bens e tais!

(Fragmentos da letra de Podres Poderes de Caetano Veloso)


Até breve.


terça-feira, 6 de abril de 2021

LENTE



 



Não vivemos experiência de guerra, conflito bélico de larga expressão. Não vivemos sob bombardeios aéreos, invasões de domicílios com fuzis automáticos e baionetas caladas. Não vivemos uma guerra química e/ou Napalms cruéis. Não experimentamos ocupação de território e perda de espaço e liberdade açodados por inimigos externos.
Não temos experiência de guerra. Do horror que deve ser viver em Síria, Iêmen, Sudão do Sul, Líbia e outros que neste momento estão em conflitos armados.
Algumas vezes em textos comentei sobre pesquisa que tive acesso realizada por consórcio de universidades americanas e europeias. Consultaram pessoas em 165 países sobre o que elas mais temem.
A potencialidade de uma guerra nuclear, a irreversibilidade da fome e a ausência de líderes que sejam capazes de enfrentar os desafios colocados no contemporâneo. Nesta ordem, foi a síntese dos resultados.
O maior terror global talvez não nos acometa, mas estamos diante de algo provavelmente mais avassalador, face ao inimigo que se apresenta universalmente, sobretudo pela sua configuração física e material. Sua invisibilidade e mutação o torna sistemicamente incontrolável e não há fronteiras que casamatas ou trincheiras defendam.
O inimigo presente escancara as nossas fragilidades civilizatórias e de organização social de forma patente e absoluta. Ainda que tenhamos evoluído magistralmente em pesquisas científicas e farmacológicas não fomos capazes de atenuar nossa ignóbil e ignorante exploração da natureza implicando em consequências terríveis para a vida sobre o planeta.
A guerra que está posta é silenciosa e sem escombros. As vítimas não se esvaem em sangue e não têm seus corpos esfacelados. A morte se dá, quase sempre, por asfixia.
O inimigo nos tira o sopro divino.
E para alarmar mais e nos colocar sujeitos a sintomas psicotraumáticos impensáveis para os quais a clínica deslisa, a segunda e terceira questões aterrorizantes apontadas acima tomam contorno de realidade inquestionável.
A fome é nossa maior tragédia e ela se amplia de forma aguda e rápida.
A História, pelos seus desígnios, não nos legou uma pessoa, ou um grupo de pessoas capazes de se colocar diante da complexidade, extensão e profundidade das variáveis que compõem o problema presente e futuro próximo.
Localmente estamos absortos e ocupados, histérica e esterilmente, com questões trazidas de um passado imediato, em que as realidades não contemplavam o inimigo que nos ronda e que é vital considerar.
É passada a hora de nos concentrarmos em aglutinar forças que olhem para o que se apresenta com espíritos desarmados, visão universalizante, acolhimento de análise de realidades objetivas e confirmáveis pelos melhores métodos a disposição.
Vamos precisar de todo o Mundo e é esta imperiosa condição que pode tornar mais dramático o desfecho.


Até breve.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

VERSÃO


 

O ex-presidente, em seu discurso de abertura da campanha para as eleições de 2022, fez menção ao ano de 1978 quando ocorreram greves históricas, entre elas a de Contagem.

Na verdade, de Betim. À época eu era Gerente da Área de Salários e Desenvolvimento Organizacional da Fiat Automóveis. Fiz parte da equipe responsável pela administração e negociação junto aos empregados e sindicato para o encerramento do movimento paredista e o retorno ao trabalho.

Eu tinha 23 anos e reputo esta experiência como uma das basilares na formação da minha competência e do meu caráter como executivo. Lembro-me da morte de um dos operários, vítima de atropelamento acontecido no trevo da Fernão Dias. Os operários faziam piquete ao longo de toda a extensão de entrada da fábrica.

Na década de 80, também como executivo, estive a frente de inúmeras negociações sindicais no setor siderúrgico e de mineração, entre elas uma para mim histórica. Vivi uma greve de ocupação em um terminal marítimo, com lideranças sindicais fazendo ameaças contra os negociadores da empresa, inclusive de morte.

Tempos quentes aqueles.

Vivi, por força do meu papel (negociador patronal), momentos riquíssimos do lado de dentro da história do país. Convivi com pessoas extraordinárias, líderes sindicais e intelectuais que buscavam o advento de um tempo de pacificação, harmonização e desenvolvimento de relações sadias entre o capital e o trabalho.

Sentei a mesa de debates, país a fora, com as maiores lideranças de ambos os lados, fosse citá-las aqui teria que escrever um livro e decidi não o fazer.

Experimentei uma emoção imensa quando fui convidado a participar de um ciclo de palestras no recém inaugurado (julho de 1986) Instituto Cajamar o grande centro de formação e capacitação política das principais lideranças sindicais, partidárias e de movimentos sociais da esquerda brasileira.

Sempre acreditei que uma sociedade igualitária e plural se faz com o exercício do diálogo. Claro que fui alvo de inúmeras ofensas de ambos os lados, quando convinha a um ou a outro.

No início da década de 90 tive o privilégio de atuar como executivo de um banco estatal e, da mesma forma, representei o banco em inúmeras negociações e eventos relacionados ao tema.

Depois, segui minha carreira como professor, consultor e conselheiro, não mais me envolvendo diretamente em negociações sindicais. A partir dos anos 2000, deixei a carreira de professor e passei a me dedicar exclusivamente às atividades de consultoria e conselheiro.

Onde vai dar este currículo e o que tem a ver com o ex-presidente. Tudo, porque os anos de vivência como negociador justificaram, anos seguintes, a minha decisão de escolher o candidato ícone de representação daqueles que se colocavam do outro lado da mesa em que eu me sentava.

Era necessário que se permitisse a chance histórica de promover mudanças estruturais que possibilitassem um melhor equilíbrio de forças entre capital e trabalho para que o país experimentasse um novo ciclo de desenvolvimento.

Votei três vezes na maior liderança sindical do país e, confesso, convicto que viveríamos um tempo de graça.

Nos últimos quase trinta anos como professor, consultor e conselheiro, atuei em todos os seguimentos da economia no Brasil, participando de projetos de desenvolvimento de executivos e acionistas.

Eu, como todos que viveram experiências semelhantes à minha, conheço os mecanismos complexos da dinâmica de negócios, especialmente relacionados às grandes companhias.

Sob a governança do ex-presidente sabemos todos quão estarrecedores foram estes mecanismos. A melhor expressão disto é um comentário de umas das lideranças do partido formada em Cajamar: “Nós nos lambuzamos demais.”

Embora os anos não tenham tirado de mim a alma juvenil, o ex-presidente matou um dos meus melhores sonhos.


Até breve.