Ainda sobre a tralha. Não
sobre ela em si, porque repugna. Meia dúzia de palavras sobre o que dela
resultou: uma sociedade em frangalhos, que a mim desespera.
Estamos há décadas nos digladiando
em diferentes instâncias, até as mais íntimas, sobre em que mãos vamos colocar
o nosso destino. E o debate vem esgarçando o tecido das já naturalmente frágeis
relações.
Famílias se romperam, casais,
parceiros comerciais, intelectuais, artistas, amigos históricos em defesa de qual
dos proponentes aos palácios é mais honesto, se da direita ou da esquerda, se
vermelho, verde-amarelo, azul, com convicções próximas à daqueles que julgaram
as Bruxas de Salem.
Além da miséria econômica
profunda, que nenhum “auxílio” indigno vai dar conta de tamponar todo o fosso
em que se abriu a vergonhosa injustiça, a tralha nos legou a miséria relacional.
Nossos projetos estão prejudicados porque não é possível o diálogo.
Uma sociedade em que não há
diálogo de propósitos é uma sociedade miserável.
Nossas referências para o
debate estão caducas, postas no milênio passado, “acusamos” o nosso oponente
como comunista, ou capitalista, fascista, termos já carcomidos pela
modernidade.
Nada mais vazio que uma suposta
ofensa ideológica. As ideologias resultaram inúteis, nossos luminares ideólogos
do século XIX e XX as formularam em um tempo absolutamente distinto do que
vivemos no presente.
A tralha ainda as usa para dar
um verniz sórdido ao debate. E a sociedade “aceita” com traço de catatonia
aguda, sintoma marcante de sua patologia.
Sim, adoecemos e o estado é
grave. Não bastasse a complexidade de construir um outro tempo diante de tantas
variáveis complexas, fomos vitimados ainda por uma moléstia em escala global.
Torna-se, portanto, imperioso
que se alargue a escuta do outro para que se dissipe tantos entulhos de
significados e significantes contaminados por uma cegueira e surdez trazidas
por satrapias.
É passada a hora de nos
perguntarmos: em que mundo quero viver o melhor de meus dias, onde, com quem e
sobretudo, por quê.
O filósofo (*) “louco”
escreveu: “Quem tem um porque para viver, pode enfrentar quase todos os comos.”.
Mesmo que, para tanto, tenha que abandonar essa tralha.
Até breve.
(*) Nietzsche
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