“O Belo é o último anteparo diante do horror do Real.”
(Lacan)
Em
outubro de 2013 visitei a Catedral de Cuzco, Peru. No geral ela não difere de
outras tantas, mas há um particular: o sincretismo religioso, isto é, a
convivência entre as duas culturas, Inca e espanhola. Os espanhóis tiveram que
ceder muito aos operários e artistas nativos. A pregação católica colocou para
os Incas que somos feitos à imagem e semelhança de Deus. Os quadros pintados e
fixados nas paredes têm cavalos com corpos de lhamas e um Cristo de baixa
estatura com as pernas cambotas e arqueadas, como os Incas. No suporte dos
braços dos tronos do coral central, os “índios” artistas escandalizaram os
espanhóis com as esculturas de mulheres com os seios desnudos e o ventre
proeminente (deusa Terra). O Senhor dos Tremores colocado no altar tem hoje a
coloração escura, quase negra, resultado das exposições externas em procissões
onde o povo lança uma determinada flor cujo sumo altera a coloração da madeira,
tornando-a semelhante à cor da pele dos nativos.
A
provocação maior está no quadro que retrata a Santa Ceia. Uma tela de quase
dezesseis metros quadrados. À mesa não está um cordeiro, mas sim um CUY
(porquinho da índia, que era um animal comum no prato dos Incas). “Quem foi
Judas?”, perguntou o artista ao espanhol responsável pela obra da Catedral.
“Judas, foi o traidor de Cristo por dinheiro.” A representação de Judas lembra
a todos os nativos o rosto de Pizarro, colonizador espanhol. Sobre a mesa,
ainda, da Santa Ceia, duas garrafas de Chicha, suco de milho roxo, sem álcool,
bebida típica cuzquenha. As imagens esculpidas das virgens são todas com a
barriga enorme: grávidas.
Em
2015 estive em Madri e ali visitei o Museu de Reina Sofia. Fiquei emocionadíssimo
diante da tela de Picasso: a Guernica. Lembrei-me da passagem em que Picasso
fazia as suas primeiras exposições da tela (nela o gênio retrata a Guerra Civil
Espanhola). Ele estava em frente à sua
obra, quando aproxima-se um general, apontando
para a tela e pergunta: "Foi o senhor que fez isto?" Picasso volta-se para o general, olha fixamente nos olhos do militar e diz: "Não, foi o senhor".
A
Vida é Bela de Roberto Benigni, levou três Óscares em 1999. O filme se passa na Segunda Guerra Mundial onde Guido Orefice, um judeu dono de uma singela livraria judaica na Itália fascista, é capturado e mandado para um campo de concentração em Berlim juntamente com seu filho, o pequeno Giosué. Usando sua inteligência, espirituosidade e bom humor, Guido faz com que a criança acredite que ambos estão em um jogo, com o objetivo de protegê-lo do horror em que estão inseridos.
Em entrevista à Folha de São Paulo no final de 2019, o filósofo Edgar Morin declarou: "Eu vivi —sou muito velho, como sabe— nos anos 1930 e 1940, um período da ascensão da guerra, vínhamos de uma época em que acreditávamos estar em paz, mas numa crise econômica enorme que provocou a chegada de Hitler ao poder por vias democráticas. Vivemos esse período como sonâmbulos, sem saber que íamos em direção ao desastre. Continuamos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, em condições diferentes.”
Tudo
isto para dizer que, há meses, tenho postado aqui cenas de minha morada rural e
passagens com meus netos. Entrementes publiquei um texto (poema?) que um amigo
ator quis representar em vídeo.
Perdoe-me
a extensão do texto. É que estou em dúvida do que expor: o Belo ou o Horror.
Até breve.