quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

PORRE

 



"O mundo não é como esperávamos.”

Esta frase é dita por um dos personagens do longa dinamarquês que a Academia Europeia de Cinema (EFA, na sigla em inglês) consagrou do diretor Thomas Vinterberg, como Melhor Filme Europeu do ano. Grande vencedor da cerimônia de premiação, que aconteceu de forma virtual "Another Round" conquistou todos os quatro troféus a que concorria, incluindo ainda Melhor Direção, Roteiro (também de Vinterberg) e Ator (Mads Mikkelsen).

Ecoa em 2020, ecoa nessa sombra artística embaçada pela pandemia ecoa na profusão de factóides em que vivemos, a história de quatro amigos, que estão literalmente estagnados na vida.

Durante um jantar entre eles – todos professores (entre 40 e 55 anos) contemporâneos em situações similares – surge um debate acalorado acerca da teoria do psiquiatra norueguês Finn Skårderud de que os seres humanos possuem um déficit de teor alcoólico no sangue, que deveria ser compensado diariamente para uma vida mais plena. Achando que não têm nada a perder, eles decidem testar essa hipótese, o que desencadeia uma louca e tocante sequência de eventos.

Inspirados por essa teoria, e principalmente focados no deprimido e deprimente Martin (Mads Mikkelsen), o grupo com o desejo de escapar da rotina diária, começa a experimentar grandes quantidades de álcool, e os primeiros resultados da experiência são animadores, injetando energia nas suas vidas e galvanizando os alunos com mais confiança e entusiasmo do que o normal.

À Martin falta disposição, encorajamento, falta despertar do torpor onde o mundo o jogou, esvaziado em algum momento entre o casamento e o agora. O personagem perdeu a motivação não apenas no trabalho – onde vem sendo chamado a atenção – como também em casa, transformada em um modelo robotizado de família industrial, sem paixão e sem entrega. Quando uma faísca alcoólica o acerta junto a seus três companheiros de quadro negro, o que parecia uma saída obviamente se mostrará o real labirinto.

Vale à pena assistir pela maravilhosa trilha sonora e por, pelo menos, três cenas brilhantes:

1.    quando eles tomam o primeiro porre pesado e, posteriormente, há uma sucessão de quedas no vazio da escuridão, onde as imagens e sua luz por si só já constroem um texto imaginário sem falar nada;

 

2.    a seleção de imagens de líderes mundiais bêbados, um registo documental irreverente que encaixa na perfeição nesta viagem ao fundo dos copos.

 

3.    A cena final, uma das mais belas cenas do ano, um tour de force completo que vai do calcanhar aos fios de cabelo e coloca a celebração e a efervescência que o estado alcoólico, quando bem dosado, pode levar ao humano.

Oportuno e necessário por este momento de ressaca mundial; este entorpecimento no mundo de hoje, uma paralisia seguinte a um furor alucinante que nos prometeu soluções, consertos e qualidade de vida. Se nem a Dinamarca viu esse momento contemporâneo acontecer por completo, fica até difícil cobrarmos uma evolução no Brasil.

 

Até breve.

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