quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

VINTEUNS

 




Quero fazer desta foto uma parábola carregada de sentido.

Quero carregá-la de metáforas que sinalizem um novo tempo.

Não só minhas netas, mas os meus netos são simbolicamente o meu porvir. Todo o meu legado.

Quero olhar para a vida com esta expressão.

Há que endurecer-se sem jamais perder a ternura. Esta frase não é minha, embora eu a sinta como o fosse.

Faço careta a tudo o que está aí de abominável, torpe, vil.

Coloco a língua para fora e repudio todo ato que não enderece à paz.

Zombo daqueles senhores das regras, da moral e dos bons costumes embarcados em tenebrosas intenções e sórdidos interesses.

Vou ao encontro de todos os meus atos de amor, sem censura e sem amarras de qualquer natureza, mesmo que eu possa desagradar a gregos e/ou troianos, crentes e/ou ateus, negros e/ou brancos, homo e/ou héteros, e até mesmo aos perplexos.

Não estou obrigado a carregar o peso do mundo, já me basta a insustentável leveza do meu ser.

Quero o olhar brilhante, energizado por um humor valente e singelo, que possa irradiar aos outros um resto de esperança.

Ponho a língua de fora, infantil e deliberadamente ao feio, ao abjeto, ao falso.

Quero a beleza.

Toda ela e com toda intensidade.


Até breve.



PORRE

 



"O mundo não é como esperávamos.”

Esta frase é dita por um dos personagens do longa dinamarquês que a Academia Europeia de Cinema (EFA, na sigla em inglês) consagrou do diretor Thomas Vinterberg, como Melhor Filme Europeu do ano. Grande vencedor da cerimônia de premiação, que aconteceu de forma virtual "Another Round" conquistou todos os quatro troféus a que concorria, incluindo ainda Melhor Direção, Roteiro (também de Vinterberg) e Ator (Mads Mikkelsen).

Ecoa em 2020, ecoa nessa sombra artística embaçada pela pandemia ecoa na profusão de factóides em que vivemos, a história de quatro amigos, que estão literalmente estagnados na vida.

Durante um jantar entre eles – todos professores (entre 40 e 55 anos) contemporâneos em situações similares – surge um debate acalorado acerca da teoria do psiquiatra norueguês Finn Skårderud de que os seres humanos possuem um déficit de teor alcoólico no sangue, que deveria ser compensado diariamente para uma vida mais plena. Achando que não têm nada a perder, eles decidem testar essa hipótese, o que desencadeia uma louca e tocante sequência de eventos.

Inspirados por essa teoria, e principalmente focados no deprimido e deprimente Martin (Mads Mikkelsen), o grupo com o desejo de escapar da rotina diária, começa a experimentar grandes quantidades de álcool, e os primeiros resultados da experiência são animadores, injetando energia nas suas vidas e galvanizando os alunos com mais confiança e entusiasmo do que o normal.

À Martin falta disposição, encorajamento, falta despertar do torpor onde o mundo o jogou, esvaziado em algum momento entre o casamento e o agora. O personagem perdeu a motivação não apenas no trabalho – onde vem sendo chamado a atenção – como também em casa, transformada em um modelo robotizado de família industrial, sem paixão e sem entrega. Quando uma faísca alcoólica o acerta junto a seus três companheiros de quadro negro, o que parecia uma saída obviamente se mostrará o real labirinto.

Vale à pena assistir pela maravilhosa trilha sonora e por, pelo menos, três cenas brilhantes:

1.    quando eles tomam o primeiro porre pesado e, posteriormente, há uma sucessão de quedas no vazio da escuridão, onde as imagens e sua luz por si só já constroem um texto imaginário sem falar nada;

 

2.    a seleção de imagens de líderes mundiais bêbados, um registo documental irreverente que encaixa na perfeição nesta viagem ao fundo dos copos.

 

3.    A cena final, uma das mais belas cenas do ano, um tour de force completo que vai do calcanhar aos fios de cabelo e coloca a celebração e a efervescência que o estado alcoólico, quando bem dosado, pode levar ao humano.

Oportuno e necessário por este momento de ressaca mundial; este entorpecimento no mundo de hoje, uma paralisia seguinte a um furor alucinante que nos prometeu soluções, consertos e qualidade de vida. Se nem a Dinamarca viu esse momento contemporâneo acontecer por completo, fica até difícil cobrarmos uma evolução no Brasil.

 

Até breve.

domingo, 20 de dezembro de 2020

ESCOLHA

 



Amar intensa, deliberada, revolucionária e ideologicamente.

Amar a si acima de todas as Coisas, para dar o melhor de si a cada um como se este fosse único, mesmo que por tanto e de tanto amar não se com prenda.

Amar alguém de todas as maneiras e fazê-la ponte para cruzar toda uma vida. Amá-la da adolescência à decrepitude, gastando de si toda a energia e potência.

Amar os frutos deste Ato, todos eles e a cada um.

Amar ainda o inominável apesar de todas as circunstâncias contrárias e guardar para todo o sempre.

Amar o trabalho, amar a milhares de pessoas que por ele passaram e levaram todo o melhor do que dele resultou.

Amar cada milímetro de sua morada, cada barro, tinta, grama. Cada flor. Amar cada parte daquilo que se edificou como um gesto de humanidade e nunca de fasto.

Amar a terra sobre qual edificou esta morada, ainda que de suas entranhas saiba tão pouco, amando o extraordinário mistério do que lhe germina.

Amar o pomar atras da morada, sua macieira, pereira, laranjeira, limeira, limoeira e, especialmente, amar o que se produziu de uma sementinha trazida de Elche na Catalunha à beira do Mediterrâneo, dos fundos da casa do avô paterno e torná-la exuberante árvore que desabrocha seus primeiros frutos. AMEIxa.

Amar seus antepassados e fazer fluir o prolongamento no sangue da essência de uma história humana particular e universal.

Amar a escrita, através da qual busca inscrever-se.

Amar a letra, a música, a melodia, a harmonia, o som.

Amar o silêncio.

Amar a solidão profícua, a existência, o tempo.

Amar a poesia, o simbólico, tornando-a veículo em que se embarca a Vida.

Amar sobretudo e sobre tudo o direito e a liberdade de só amar.


Até breve.


quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

INSANAIDADE

 


Final de ano, tempo para balanços. E eu me permito balançar para além do tempo que finda. Este ano atípico, sui generis, pandêmico.

Formulo, próximo de alcançar (pelo menos eu espero) sete décadas de vida, uma síntese.

Ao longo desde período, que observei através de minhas mais do que desfocadas lentes, fomos governados por três tipos de figuras históricas: os ditadores de meio-coturno, os gangsteres e os transloucados.

É fácil, suponho, de encontrar os sujeitos e as categorias aqui apontadas para classificá-los. Vamos ter pouca polêmica entre nós, o que é uma pena. Pólen é o órgão das plantas que as fazem germinarem.

Vamos lá, então.

Na categoria de ditadores de meio-coturno, combatidos por revolucionários à moda de exércitos de Brancaleone e sem Sierra Maestra, temos aqueles que se autonomearam como tal e, portanto, desnecessário lembrá-los. Talvez Medici, o mais cruel, Figueiredo (o amante de cavalos e não de povo), e Geisel, este sim que nos deixou uma das pérolas da época: “Vamos conceder a liberdade vigiada”.

A dos gangsteres, aqui em que pese nauseante, aponto apenas os mais torpes: Dom Sarney de Los Marimbondos de Fuego, Dom Marcos Maciel El Varapau, Dom Paulo Maluf de El Comtex, Dom Antônio Carlos Magalhães El Imperador del los côcos, Dom Michel Temer El Verdugo e, El Major traidor del a Esperanza, Dom Lula.

Na categoria de transloucados, que fizeram enriquecer nossos melhores e sagazes humoristas: Jânio, Itamar, Collor e Dona Dilma. Difícil apontar aquele mais caricaturesco ou mais trágico, senão fosse cômico.

Este que está aí? Deixo com vocês a tarefa de classificá-lo.

Desde que ele subiu a rampa do Palácio da Desarvorada eu perdi o interesse de me ocupar com este assunto.

Até chegar aos setenta, devo catalogar trezentos ou quatrocentos mil acessos no blog. Não é muito, aliás é muito pouco, para quem (transloucado) imaginava vestir-se de libélula na entrega de prêmio na Suécia.

Os próximos anos? Estou a criar galinhas, no máximo entre 15 e 16 e um galo.

Vera sempre me questiona como que um homem que vai fazer sessenta e nove anos em fevereiro do ano que vem, se é que ele vem aí, não sabe cuidar de um galinheiro.

Pois é.


Até breve.


domingo, 13 de dezembro de 2020

TORTO

 





A professora perguntou para quem ela gostaria de fazer um cartão de Natal.
- Para o vovô!
Os pais providenciaram cartolina e uma folha de papel. Lelê pediu ao pai uma foto dela. Dobrou a cartolina e colou a foto na frente. Fez um desenho de duas figuras humanas, escreveu Feliz Natal Vovô e colou no verso. Dobrou a cartolina.
No domingo estava na casa dela e ela veio me entregar.
- Vovô, tá torto...
É que ao abrir o cartão a gente vê o desenho de cabeça pra baixo.
Estou torto até agora.

Até breve.


sábado, 5 de dezembro de 2020

EPITÁFIO

 


Amigos queridos privilegiaram-me com comentários instigantes e complementares no último post, pelo que agradeço imensamente.

Em alguns o retorno é de que o texto os levou a refletir. Sou marcado por esta palavra. Refletir é pensar o já pensado, só que em “outro lugar”.

Contamos o tempo para que, o instante seguinte, possamos fazê-lo diferente. E diferente deveria significar para melhor. A gente sabe que não é bem assim. Não aproveitamos o tempo tanto quanto deveríamos para aquilo que acabaria se configurando como o melhor.

Extremei no texto o colapso do tempo, que é a morte. A parada da contagem. O desligamento definitivo do cronômetro. O nunca mais.

Estive em reuniões de trabalho presencial na quarta-feira e soube lá que um dos participantes estava com suspeita de ter contraído o vírus o que veio se confirmar anteontem.

Sou obrigado a confessar que a possibilidade de eu ter sido infectado modifica substancialmente o meu olhar para a questão. “Não vai acontecer comigo” é uma das expectativas mais frustradas a que estamos expostos.

Aquilo que é provável quando se torna iminente, nos expõe ao óbvio. E é o óbvio que nos escandaliza, como queria Nelson Rodrigues.

Até que passe o período da eventual encubação para se confirmar ou não a positividade em um inevitável exame, aguça em mim a reflexão.

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o Sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer

Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o Sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor

Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar distraído

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar

 

O acaso vai me proteger é uma das afirmações mais tolas.

Acaba em Epitáfio. Ainda que, também, poema belíssimo dos Titãs.


Até breve, espero.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

CHANCE

 


Permito-me pensar diferente daqueles que entendem que 2020 deva ser riscado da contagem do tempo. Era melhor que ele não tivesse acontecido.

Antes pelo contrário.

2020 deve ser considerado como um marco na medida que nos universaliza a todos enquanto seres humanos, únicos que temos consciência de nossa finitude.

Devíamos ter presente o óbvio: viver como se estivéssemos mortos.

Isto mesmo, assim.

A hipótese, crença inabalável ou real possibilidade que há “outra vida” para o além desta, ainda que permaneça, deve levar em conta de que esta vida agora tem fim. E ele ficou mais iminente na medida que amplificou o risco de todos em perdê-la.

E de todos, MESMO!

Assim, tornou-se urgente o viver e como quer a Rita, para poder gozar no final. Tempos atrás fomos impelidos a usar camisinha, agora máscara. Camisinhas são preservativos para aqueles restritos à um grupo de risco.

Máscara está para todos.

Perguntadas algumas pessoas em situação de risco iminente de perda da vida, sobreviventes de acidentes aéreos, doentes terminais, e outras, é quase unânime a resposta: se eu conseguir sair desta, mudo a minha vida.

Pois está posta esta questão.

Aproveitaremos 2020 se tirarmos dele o entendimento de que devíamos viver como se estivéssemos mortos.

Mesmo que advenham vacinas que abreviem o inevitável.


Até breve.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

SEM FOTO

 


Juro que não tenho lido e nem visto Notícias.
Mas é que essa lista de "detratores", "neutros informativos" e "favoráveis" me causou.
Fiquei triste por não encontar a classificação na qual me encontro.
De Idiota, como queria Brecht.

Até breve.