quarta-feira, 25 de novembro de 2020

VERBO

 






“Siga seu luar interno; não esconda a loucura. Noticie o que você noticia”. 

(Allen Ginsberg)

 

Não estou bem certo, acho que me disseram que foi, nos idos dos anos 70, um político mineiro quem disse: “O que importa não são os fatos, mas a versão que damos a eles.”.

A modernidade digital exponenciou os efeitos dessa assertiva. Especialmente em tempos globais de distanciamento, recolhimento, solidão compulsória.

Versão não é fake nem trolls, embora dependa de quem as produza e suas intenções. Assim como os fatos.

Factóide não é versão, embora dependa de quem o produza. Assim como as versões.

O que vale dizer que o que é, depende.

A Rede Globo, no Brasil, assim como a RAI, na Itália, e tantas outras redes criaram uma versão de país. A rede digital cria uma versão do mundo. Não há nada que passe sem um like.

Parece claro que a linguagem explicita o individual e o coletivo, tanto consciente quanto inconsciente. O que vale dizer que estamos todos em uma rede de versão dos fatos (sem trocadilho). Se é que eles, de fato, acontecem.

Coloque uma pitada de influencers, que proliferam aos milhares fixando marcos de referência para construir versões tácitas.

Dizer que, portanto, tudo é uma mentira cabeluda, não é de todo uma verdade. É apenas uma versão.

Ou então, uma aversão a tudo que está aí.

Se me perguntarem aí é onde, juro que crio um verso. O único lugar em que se encontra toda a verdade.

Um poema.

A beleza salvará o mundo.


Até breve.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

CERCAS

 




 

Não sei se já disse aqui, mas a pandemia me levou para Santa Luzia. Tenho ficado lá com mais regularidade em períodos mais extensos ao longo da semana. Era inevitável que eu fizesse uma reforma. Mais tempo, mais observação.

Havia anos que eu tinha a demanda de construir um galinheiro. Claro, para os netos.

Até aqui ninguém invadiu os aposentos dos galináceos para subtrair-me uma das espécies. Há uma certa segurança, já que minha morada faz parte de um condomínio fechado (acho muito louco isto) e, supostamente, ladrões de galinha encontrarão mais dificuldade para sua lida diária.

O mesmo parece não ocorrer com as redes sociais, condomínios fechados portadores de selinhos que demonstram que as moradas virtuais são autênticas e seguras, a cada dia mais vulneráveis a todo tipo de puladas de cercas.

Declaração de representante no Brasil do Instagran, publicado no Estadão de hoje:

“Hackers que tentam obter acesso às contas do Instagram diversificam constantemente suas táticas para escapar das proteções que o Instagram coloca em prática. Mais recentemente, observamos uma tática pela qual hackers tiveram acesso a contas verificadas e alteraram as informações do perfil para sugerir uma afiliação com o Instagram, por exemplo, “instagramsupport”. Essas contas verificadas enviam links e mensagens suspeitas para usuários do Instagram, na tentativa de assumir o controle de suas contas também. Tomamos diversas medidas para interromper esse comportamento, incluindo: remoção de contas que tentam se passar pelo Instagram; acesso restaurado a muitas dessas contas para seus legítimos proprietários; aperfeiçoamento dos nossos sistemas para melhor detectar este tipo de comportamento”. 

O meliante, em geral, tem três diferentes motivações: a primeira é a prática de extorsão; a segunda é para alterar ou excluir o conteúdo; e a terceira é para se passar pelo dono da conta. 

Começo a pensar em substituir minhas duas cadelas dóceis de enjoar, por dois dobermans ou filas ou pitbulls.

Ou então fechar meu galinheiro.


Até breve.

sábado, 14 de novembro de 2020

EUFOPRÊ

 





Estou eufórico.

Deixo pra outro texto minha faceta deprê. Se bem que, como nunca sei onde vou parar quando escrevo, alguma chance de melar um estado de humor está sempre presente. Meu alto e autodiagnóstico me coloca oscilando nos extremos, com regularidade.

O motivo da alegria (próxima à euforia) é que hoje atinjo no blog a marca dos 210 mil acessos. Não é pouca coisa, mesmo considerando que 91,43% deles são de procura no Google pelas palavras que intitulam os posts. Aceito manifestações contrárias, especialmente aquelas a meu favor.

Não foi sem razão que resolvi que todos os posts receberiam, como título, uma única palavra. A outra motivação é a de que, como quer uma das máximas da melhor filosofia de botequim (butiquim, para os leigos): “Para o bom entendedor, meia palavra basta”.

Como vivemos em tempos de obscurantismo fui logo dando a palavra inteira, na expectativa insana de que afinal, com o dobro de letras, eu pudesse fazer alguém entender alguma coisa.

Depois destes anos todos, duplo, nunca sei exatamente quanto resulta minha escrita. A quase totalidade de pessoas que me acessam são seres nublentos (não procurem nos dicionários), mas quis dizer das pessoas que vivem em minhas nuvens.

Gente que eu não sei a estatura, a cor exata dos olhos, o perfume atrás da orelha, e, para falar a verdade, nem se são pessoas de carne, osso e outros ingredientes que os tornem assemelhados a mim.

O que é mais interessante nestes seres é que alguns comentam meus textos, e com tal proximidade que fico achando que eu também vivo nas nuvens, e não aqui nesta minha bisnaga de carne que me torna sujeito vivente portador de identidade, cadastro de contribuinte e eleitor.

Alguns, eu tenho a nítida sensação, nutrem um afeto expressivo para comigo a ponto de manifestarem-se preocupados, quando eu me mostro down, ou estimulados, quando eu me desaguo no outro polo.

Teve uma vez, antológica, que eu me suicidei num texto e alguns pediram fervorosamente que eu não fosse ao ato, já tendo o feito. Outros que comentam recomendando atitudes, comportamentos, reações para que eu dê um encaminhamento à minha vida.

Curto tanto que, já de há muito, não curto mais. Amo. No face, todo comentário que recebo respondo com um coração vermelho: AMEI. Aliás, no face, meu recorde de acessos em um único post foi, acho, mais de 300. Tinha uma foto do pé de lichia aqui de casa carregadézimo, às vésperas de um natal. As pessoas babaram na página.

Assim, como nesta fase, a foto de Totô e Lelê, está perto de atingir 200, mesmo já não estando tão doce.

Para manter-me coerente com meu diagnóstico, aproveito para recomendar dois filmes: o alemão candidato ao Oscar de 2020, TRANSTORNO EXPLOSIVO e o chinês de Hong Kong, MAD WORLD.

Ambos tratam de desamparo. No primeiro, a personagem é uma criança e no segundo um adulto, bipolar.

Assistam e curtam. Ou melhor, amem.

Amém.


Até breve.





quarta-feira, 11 de novembro de 2020

TORPOR

 



Arrebatador! Sufocante!

Diante da última cena, emudeci.

Não me lembro de ter experimentado sensação semelhante ao final de um filme.

A explicitação do desafeto e as consequências em uma criança são, sem concessões, objeto da narrativa. Não há contemporizações romanescas. Crua crueldade.

O humano e o desumano estão ali, dramaticamente vivenciados na extraordinária interpretação da jovem atriz.

Até breve!

sábado, 7 de novembro de 2020

SILKS

 


Estou em um resort no litoral baiano. Diante da minha solidão e do silêncio ondular do mar.

Ontem, quando vinha para cá, cruzei na sala de embarque do aeroporto com uma jovem trajando uma camiseta preta com uma inscrição em letras brancas todas minúsculas: deleting...

Posts atrás, comentando sobre o filme Vidas Duplas, escrevi sobre a desmaterialização do livro, objeto físico.

Não me parece que o inevitável esteja na digitalização do livro, já que o projeto ebook deu água. A versão digitalizada não emplacou. Não é o book, em qualquer idioma, que se desmaterializa.

O que parece estar em curso é a desmaterialização da massa crítica, suponho. Aquela que se forma pela química e fisiologia neural que advém da absorção do emaranhado sofisticado de letras, encontradas há séculos, exatamente neste objeto em estado de obsolescência.

A tecnologia suplantou a compreensão. Não há necessidade de elaboração de interpretações a partir de textos sinuosos. E ninguém mais tem paciência e tempo para debruçar sobre páginas e paginas.

Nada mais demodê do que uma biblioteca, palavra incrustrada em traças.

Textões não fazem parte da curtição. Ou imagem ou vamos direto ao ponto. Papo cabeça é porre duplo. O que cola, e como cola, é o simplório dos influencers, célebres descerebrados que arrastam opiniões de superfície.

O que desmaterializa é a consciência do sujeito tirando dele sua capacidade crítica do real. Pasteuriza-se a dúvida (indispensável) e industrializa-se a resposta.

Estou pensando em fazer um silk na cor azul em camiseta branca com a inscrição: saving...


Até breve.


terça-feira, 3 de novembro de 2020

DECALQUE

 


Gostei muito de Vidas Duplas, disponível no Telecine On Line e no Looke.

Não necessariamente por abordar a questão dos relacionamentos.

O filme coloca algo de relevância na atualidade: a desmaterialização da escrita, isto é, o quase desaparecimento em futuro breve do livro, objeto físico.

O histerismo da escrita em zilhões de plataformas virtuais, por força da acessibilidade, portabilidade e instantaneidade, trouxe à cena contemporânea bilhões de pessoas que diuturnamente se colocam. Por escrito.

A obra literária está em questão. E eu gosto deste debate. Até para saber de seus novos contornos. Mensagens no WhatsApp, coletânea de e-mails, posts nas redes, blogs, e um sem número de meios tecem hoje uma nova forma de produzir. Arte através do espelhamento das palavras. Decalques.

Desnuda e desvela e coloca nos tribunais o privado e o direito de utilização de estórias para serem relatadas.

Vamos ter que pensar muito a partir de uma das cenas do filme em que um dos personagens, escritor, está fazendo o lançamento de seu último livro e é inquerido pelos participantes.

VIDAS DUPLAS nos coloca diante de nós, sujeitos dúbios, personagens de nós mesmos dependendo da cena em que nos colocamos.

A pós-modernidade está nos desmaterializando.

 

Até breve.


domingo, 1 de novembro de 2020

CANÇÕES

 



Taí, gostei.

Maria Cadu fez a seleção das canções que foram parar em uma fita cassete gravada por personagem encorpada por Luiza Mariani, esposa que pede ao marido que as ouça. O casal está se separando.

Vinte anos depois a fita é encontrada por personagem estrelada por Marina Ruy Barbosa, escritora que passa a elucubrar sobre o que teria acontecido com o casal e as circunstâncias em que se inscreve as canções.

Ainda que superficialmente, o filme aponta as vertiginosas mudanças ocorridas nas duas últimas décadas. Especialmente no que tange às relações afetivas e ao lugar do feminino.

E com realce a forma artística de tratá-las em canções. Saudosista e bestamente romântico, assistindo o filme sofri com a mudança na “qualidade” da narrativa poética das letras de então e agora.

Pô, bicho! Teria o amor perdido sangue? Teria se convertido como tudo o mais em comodities? Trivial, banal, superficial e nada de visceral, temperamental, carnal?

Duas cenas sugiro cuidado, zelo, atenção. A da que a personagem de Luíza está diante da “acusação” do marido de que ela “não foi capaz de cuidar de um cacto”. Ela responde que, por ser exacerbada na entrega, teria encharcado por demais a pobre da planta.

A outra cena vivida pela personagem de Marina, quando ela fala sobre a sua experiência que viveu aos quatro anos com sua mãe e a frase “eu te amo”.

A frase não mudou.


Até breve.