segunda-feira, 1 de junho de 2020

INFECTUM





“Tempestade perfeita.” Esta é a expressão que analistas da realidade têm usado para designar o que se passa.

Ocorre que a realidade não consegue mais se expressar por meio da linguagem, na medida em que não há escuta.

Na juventude tínhamos uma expressão: “Falou e disse.”. As consciências resultavam de alguma reflexão. Houve debate.

Hoje o que há é embate. Mera troca de duas letrinhas, uma apenas de posição na palavra.

E o embate resulta em fora. Fora Lula, fora Dilma, fora Temer, fora Bolsonaro, fora Congresso, fora STF, fora... O embate se dá na periferia da linguagem. Não há conteúdo, não há “dentro” posto que não há debate.

Não há diálogo, troca de ideias essenciais, portanto não há linguagem.

A pandemia expressa simbolicamente a exaustão de um tempo. Estamos todos ensimesmados dentro de nossas convicções. O horror do outro nos contamina e pode nos matar.

Ninguém é, de fato, para o outro. No máximo, com o outro. Um outro cambiável, por razões as mais superficiais e inconsistentes.

Há um vazio fundante nas relações. Não há contágios legítimos de quereres, saberes, teres, seres. Nada é. Tudo está sendo. Em nada.

Ocorre que fatores externos determinam o viver. A economia, o trabalho, a sobrevivência. A tecnologia colocará fora inúmeros postos de trabalho e estações novas serão domésticas.

Esta revolução acelerada pelo vírus determinará exclusões avassaladoras de seres humanos para a periferia da existência. Milhões estarão fora.

As ruas estarão ocupadas por tensões profundas. Por todas as faltas e sem a linguagem, não se saberá por que clamam. As faixas e seus dizeres estão vazios tanto quanto aqueles que empunham seus mastros.

Nas madrugadas seres exóticos e de outro mundo ocupam as praças de todos os poderes e empunhando suas tochas medievais entonam mantras transloucados. Ou não.

A proliferação de meios e modos de se comunicar aguda-se. E a liberdade se sufoca pela ausência de sentido e escuta daquilo que embarca. Tudo está passível de ser judiciado, porque vem de um “eles” sempre monstruoso.

O humor é macabro.

Todo riso guarda certa esquizofrenia coletiva, própria dos patologicamente diagnosticados por idiotia.

Somente daqui a 980 anos a espécie humana (se ainda estiver por aqui) experimentará o privilégio de cruzar um século e um milênio.

Nós o tivemos. Resta-nos saber se continuaremos em tempestade ou vamos seguir em beligerância. Ou, como já escrevi, em horrigerância.

Não há nada de belo no que se passa. Horror é o que há.

 

Até breve.


Nenhum comentário:

Postar um comentário