sábado, 27 de junho de 2020

DUPLICE



FOTO: Stefan Draschan.

Publicarei hoje no Facebook:

Reluto, quase sempre, em estar aqui no Facebook.  Vivo querendo não publicar-me mais. Sim, porque estou aqui fazendo o book de minha face.

Que face? A do artista que há em mim. Quando menino fui seriamente repreendido pela minha mãe: “Se você fizer arte, seu danado, vou te por de castigo de cara para a parede”.

Freud ainda tem razão. A gente leva a mãe por toda uma vida. Parte de mim segue ainda de cara para parede, danada, fazendo arte. E por esta via é que me tornarei sujeito de minha transcendência.

Cuidado aqui. Eu não estou falando de José Lopes Agulhô Junior, nascido em Belo Horizonte, CPF 134252..., psicólogo ou até mesmo do membro de Conselhos de Administração de empresas.

Eu estou falando de um artista, danado, de cara para a parede. “Quem” está aqui dá sua face para bater, mas enquanto artista. Sofro de um misto de preocupações quando leio alguns comentários e/ou comentários que faço de comentários que recebo nos meus posts ou em posts de “amigos”.

Certa vez, em outra estada aqui, escrevi um post que eu iria suicidar. Alguns “amigos” vieram me dissuadir da ideia, intervindo para que eu não fosse ao ato transloucado. Em outro texto escrevi, este já publicado aqui, que nutro um ciúme doentio por um de meus irmãos. Recebi comentários calorosos de “amigos” que me disseram que o ciúme não é um afeto que convém possuir.

José Lopes Agulhô Junior pode até querer suicidar um dia, algumas motivações até existem, pode até ter mesmo ciúmes de um ou mais ou todos de seus irmãos, mas o que importa?

Chico, Caetano, Gil "são" comunistas, socialistas, aficionados ao PT. E eu com isso? Eles que se emptussem! Jamais vou viver sem estes artistas, apesar de sujeitos do tempo presente, assim como eu, reles mortais pagadores de boletos, contribuintes do impuesto de la renta, crentes em defensores velhacos de saudáveis utopias e os cambau.

Entãoces, o que era mesmo que eu estava dizendo? Ah, sim. Corro um risco tremendo, eu Agulhô, de ser considerado “galinha” porque (aqui no FB) “dou em cima” de algumas frágeis e desprotegidas criaturas portadoras do sexo feminino ou de “boiola”, para usar um termo moderno, porque digo que amo quase desesperadamente criaturas portadoras de pendente entre as pernas.

Gisus cristinho! Xô falá um trem procês, escancarando de vez a minha face. De muié ieu tô é cheio. Tô com a mesma de sempre há mais de cinquenta e um anos. E só ela, sempre. E num tem a menor chance de eu ficá livre dela, morô?

Boiolar, num levo jeito. Pudia sê até um trem, mas num cunsiguiria.

Por que deste post? A Arte precisa ser salva até mesmo daqueles que a produzem. Muitas figuras humanas foram execradas em que pese inestimável contribuição às artes.

A fragilidade dos que consomem a Arte restringindo-a ao seu produtor é uma dor irreparável para o artista, porque ele sabe que, muitas vezes nem é merecedor de a ter recebido como dom.

Eu não sou eu aqui. Não quero ficar de castigo de cara para a parede.

 

Até breve


domingo, 21 de junho de 2020

PAISAGEM



A foto ilustra uma tese.

O feio e o burro incorporaram-se, de há muito, à paisagem.

Primeiro, o feio. Reparem: o ambiente macro não nos encanta, antes pelo contrário, nos avilta. Mais de cinquenta mil vidas ceifadas, mais de um milhão de infectados, perspectiva de rebote, catatonia social, quase um trilhão de reais de custo pandêmico (incluídos aqui os pedágios da endêmica e centenária corrupção), perspectiva de queda de 8% do PIB, cem milhões de pedintes desnudados a procura de auxílio.

Liderança da sociedade civil ausente ou inexistente, governos absolutamente desconectados da realidade objetiva, instituições sufocadas por burocracias auto defensivas e incapazes de produzir diálogos que remetam a saídas. Aliás, com que interlocutores?

Redes sociais produzindo calor, nada de energia. Reducionismo bestial, cegueira, surdez, idiotia. Obscurantismo.

O burro, na foto. A rua é em declive e a saída de água pluvial em dois tubos de 100 milímetros está abaixo do bueiro, desaguando sobre a calçada. Obra de uma residência recém-concluída que fica no caminho para a minha casa.

Sempre que passo por esta casa, me entristeço porque ela me escandaliza. É tão óbvia a arquitetura e engenharia para dar conta de funcionalidade e estética mais apresentável da fachada da residência.

Durante as obras pensei até de parar meu carro e sugerir ao responsável que passasse o tubo antes do muro da fachada e o estendesse sob a calçada até dentro do bueiro. Óbvio, não é?

Achei que não deveria fazê-lo, cada qual é cada qual. De repente o meu senso estético e a minha suposta e engenhosa inteligência é que estão equivocadas.

Assim como bueiros, tubos e águas são as coisas.

Algumas vezes passei por esta residência com algumas pessoas e apontei para o primor de calamidade. Para surpresa e espanto, a grande maioria me respondeu:

- Qual o problema? Não consigo ver nada.

Dramática paisagem.


Até breve.


sábado, 6 de junho de 2020

PANDECER



De repente me ocorreu que viver é algo de provisório, sem fixação definida. Mas não, porque quem não sabe que houve um antes? Mesmo não sabendo que depois, não saiba o que haja. Também.

Mas é que tem. Portanto, improvisório. Ou será em provisório?

Embolado, erudito, hermético, filosófico, pirante? Nada sô, pandêmico, dezenovecovidicêntrico, como se faltasse ar de respiração e o cérebro vadiasse ao léu.

Não fumei nada e nem cheirei. Fosse, até provisionaria. Beber? Bibi, mas já exalou. Num tem efeito definitivo.

Juro que não é provisório, mas constante, esse imbróglio. Pouca gente sabe ou já usou esta palavra. Procure no Google. Eu espero.

Pesquisou?

Seguinte: pediram-me para escrever sobre a vivência, um dia qualquer, vivido ou fantasiado ou alucinado, não importa neste intervalo de provisoriedade que estamos covidados, ou melhor, confinados. Com finados que ultrapassaram, hoje, a trinta e tantos mil que provisoriamente estiveram entre nós.

Tristeza de doer. Até Marlene, docinho-de-coco, foi junto e de primeira da fila em BH.

A televisão lança poemas do Grupo Galpão, dizendo que do ar não saem pulmões. Desculpe, melhor: dos pulmões de corpos de bruços, vertem a ausência do ar.

Respiradores.

Faltou um adaptador para a maldita tomada de três pinos. Cortei um dos pinos, provisoriamente. Serviu. Fiz café normal, com três colheres de café. Nunca mais comprarei o adaptador para a tomada de três pinos. Ficará eternamente provisório. Ou não.

Fique em casa.

Teve também aquele post que circulou aqui sobre o botão de rosa no meu jardim furando o vazio acima de si. Pudesse eu filmaria com câmera hipersofisticada cada segundo da transitoriedade até tornar-se rosa. Gostei às pampas de ter começado a reclusão a partir daquele dia.

Da vida clandestina e provisória enquanto conselheiro de empresas (custo a acreditar que acreditam) não se falo. Tenho sido demandado mais, aqui. Tensão de mercados, cifras, meios e modos. Direção.

Ontem, que pode ser qualquer outro ontem, escrevi. Provisoriamente é o que eu mais curto fazer. Curtiram pouco, menos do pouco de sempre, um post ontem. Excluí, num quero que ninguém sofra de mim por causa de puslítica. Sem causa.

Praquí é só, embora eu tivesse tanto pradizer. Mas, provisoriamente, tá bom. Para não ficar eterno e indestrutível, como a morte. As quatro últimas palavras roubei-as de Manoel de Barros, pragora.

Eu acho.


Até breve.


sexta-feira, 5 de junho de 2020

REMAKE


Assolada pela peste, pela iniquidade e pela mediocridade de alguns dos seus principais líderes, é um planeta inóspito para os humanos de 2020, que não hesitam em encarar até o vírus e o risco de morte para ir às ruas e poder gritar: “Não consigo respirar”. (Vera Magalhães)

“Não compareçam a esse movimento que esse pessoal não tem nada a oferecer para nós. Muitos são viciados. Eles querem o tumulto. Domingo, ninguém comparece. É um pedido meu. Os ‘antifas’ (antifascistas), novo nome dos black blocs, querem roubar sua liberdade”. (Jair Bolsonaro)

“Aonde querem chegar? A incendiar as ruas do País, como em 2013? A ensanguentá-las, como aconteceu em outros países? Isso pode servir para muita coisa, jamais para defender a democracia. E o País já aprendeu quanto custa esse erro’. (General Mourão, em artigo do último 3)

Em 19 de junho de 2013, publiquei em meu blog o post FAISCAl no qual refleti:

Não é possível saber exatamente o que está acontecendo, porque ainda está por acontecer e ninguém pode precisar o que virá. Não acredito, porque prefiro não acreditar, que este algo adormeça. E também sofro com a possibilidade de, com a extensão que isto possa vir a ter, o Estado regulador voltar à cena com poderes discricionários para vigiar e punir.

No post TRAÇO de 20 de junho de 2013:

Se bem entendo o que está nas ruas, e é preciso que se desenvolva, é um novo modelo de relações sociais de poder de governança. Deliberar não deverá permanecer como um ato solitário de um governante respaldado por estruturas institucionais, mas algo que deverá ser trazido aos principais afetados para que se estabeleça a melhor decisão.

Em 25 de junho de 2013, no post SE:

Talvez a História tenha nos reservado a oportunidade de, agora, construirmos um futuro. Quê futuro? O próximo tempo nos dirá.

E será breve porque o povo está com pressa.


Até breve.




segunda-feira, 1 de junho de 2020

INFECTUM





“Tempestade perfeita.” Esta é a expressão que analistas da realidade têm usado para designar o que se passa.

Ocorre que a realidade não consegue mais se expressar por meio da linguagem, na medida em que não há escuta.

Na juventude tínhamos uma expressão: “Falou e disse.”. As consciências resultavam de alguma reflexão. Houve debate.

Hoje o que há é embate. Mera troca de duas letrinhas, uma apenas de posição na palavra.

E o embate resulta em fora. Fora Lula, fora Dilma, fora Temer, fora Bolsonaro, fora Congresso, fora STF, fora... O embate se dá na periferia da linguagem. Não há conteúdo, não há “dentro” posto que não há debate.

Não há diálogo, troca de ideias essenciais, portanto não há linguagem.

A pandemia expressa simbolicamente a exaustão de um tempo. Estamos todos ensimesmados dentro de nossas convicções. O horror do outro nos contamina e pode nos matar.

Ninguém é, de fato, para o outro. No máximo, com o outro. Um outro cambiável, por razões as mais superficiais e inconsistentes.

Há um vazio fundante nas relações. Não há contágios legítimos de quereres, saberes, teres, seres. Nada é. Tudo está sendo. Em nada.

Ocorre que fatores externos determinam o viver. A economia, o trabalho, a sobrevivência. A tecnologia colocará fora inúmeros postos de trabalho e estações novas serão domésticas.

Esta revolução acelerada pelo vírus determinará exclusões avassaladoras de seres humanos para a periferia da existência. Milhões estarão fora.

As ruas estarão ocupadas por tensões profundas. Por todas as faltas e sem a linguagem, não se saberá por que clamam. As faixas e seus dizeres estão vazios tanto quanto aqueles que empunham seus mastros.

Nas madrugadas seres exóticos e de outro mundo ocupam as praças de todos os poderes e empunhando suas tochas medievais entonam mantras transloucados. Ou não.

A proliferação de meios e modos de se comunicar aguda-se. E a liberdade se sufoca pela ausência de sentido e escuta daquilo que embarca. Tudo está passível de ser judiciado, porque vem de um “eles” sempre monstruoso.

O humor é macabro.

Todo riso guarda certa esquizofrenia coletiva, própria dos patologicamente diagnosticados por idiotia.

Somente daqui a 980 anos a espécie humana (se ainda estiver por aqui) experimentará o privilégio de cruzar um século e um milênio.

Nós o tivemos. Resta-nos saber se continuaremos em tempestade ou vamos seguir em beligerância. Ou, como já escrevi, em horrigerância.

Não há nada de belo no que se passa. Horror é o que há.

 

Até breve.