quarta-feira, 29 de abril de 2020

GOZO







Ouvi ontem de um amigo que ele tem procurado não assistir ao jornalismo da noite, porque se sente invariavelmente deprimido com as notícias diárias.

O fato de eu não assisti-las pode até atenuar a minha depressão, mas os fatos ou a versão que dão aos fatos estão ali. E, em alguma hora, eles podem me afetar direta ou indiretamente.

Melhor estar atento ao quê e ao quê se diz que se passa e elaborar alguma interpretação para consumo próprio e/ou compartilhar.

Quiroga, hoje no Estadão:

“O estresse, o desânimo, a desvalorização de tua presença, o desencanto nos relacionamentos, as dificuldades para obter o que desejas; é enorme a lista de causas para tua vontade de parar o mundo e fugir a outra galáxia onde tudo seja equilibrado e pacífico.

Tu precisas descansar, isso sim, e voltar a ter juízo imparcial sobre os acontecimentos, e se nunca conseguiste ser equânime nos teus pensamentos, é isso que precisas conquistar, porque para o ser humano não existe uma vida desprovida de complexidades.

O panorama bucólico de retorno à natureza, em paz com animais, plantas e minerais, sinto te informar, essa não é uma experiência humana, mas um retrocesso, uma auto aniquilação lenta provocada pela renúncia ao teu destino humano, que é aprender a surfar com destreza nas ondas complexas da percepção humana.”

Divirto-me muito com Quiroga. Tendo eu lido zilhões de letras em livros, craneado alguma interpretação da realidade, pensado inúmeras horas a fio, esse astrólogo, que de quando em vez trago à post, sempre me convida a uma gostosa provocação.

Posso, então, não me deparar com notícia de que em Manaus estavam enterrando cadáveres em valas comuns, vítimas ou não da COVID-19, empilhadas em três urnas funerárias, dada a dificuldade de espaços nos cemitérios da prefeitura municipal. As famílias protestaram e voltaram aos enterros de uma ao lado da outra.

Posso, tendo falado em urna funerária, lembrar-me de outra urna, esta mortuária, aquela em que depositamos o nosso voto digital nas eleições de 2018.

A frágil democracia brasileira nos expôs à escolha entre o ruim e o péssimo. E ali morremos um pouco em nossas mais do que desgastadas esperanças. Como me deprimo há anos assistindo a diversas tendências jornalísticas fiz minha equação e deixei meu voto no número 69, quando os elegíveis foram o 13 e o 17. Para quem não se lembra 69 refere-se à determinada posição de gozo. Para alguns mais rigorosos moralmente, pornografia escrachada.

De fato a realidade sugere alternativas. Por exemplo: ao invés de deprimir com o grotesco e cruel, porque não deliciar assistindo a live da Ivete? Assistiram? Não percam. A celebridade se apresenta de pijama com o marido e o filho na cozinha da casa dela.

Tem gozo prá tudo.

E daí?


Até breve.

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