Retornei
ontem, pela manhã, ao batente. À noite assisti Viver Duas Vezes, na
Netflix.
Com
grata surpresa e alegria constatei que minha alma não esta seca, como disse
aqui no último post. O filme me fez lacrimar aos gritos.
À
parte as deliciosas cenas secundárias, o drama central contempla cenas
impagáveis. Quando Emilio (Oscar Martínez) é diagnosticado com Alzheimer, ele e
sua família resolvem partir em busca do seu amor de infância.
Na
iminência do encontro com Margarita, a paixão precoce, a família tenta ajudar
Emílio para decorar o que dizer a ela no momento.
- “Minha vida era como uma noite escura até
você aparecer e como um meteorito iluminou as minhas estrelas”, sugere a
netinha.
- “Não, isto não tem muito sentido porque as
estrelas têm luz própria. Elas não precisam de outro astro para brilhar”,
rebate Emílio.
- “Fale papai: o que Margarita tinha de
especial?”, pede a filha.
- “Ela era como o número pi. Gosto muito de matemática porque é lógica pura. Os números são
racionais previsíveis. Mas, de repente, no meio dessa harmonia, aparece o número
pi. Um número misterioso, infinito.
Um número vivo. Cria seu próprio caminho sem seguir padrões estabelecidos. E
isso faz com que a Matemática além da lógica, também seja mágica. Isso era a
Margarita para mim: a magia.”
Um
dos danos mais críticos de minha compreensão passa por Platão. Quase sempre
vivo no mundo das ideias onde tudo é perfeito. O que há no mundo real não passa
de uma cópia imperfeita desse mundo das ideias.
Assim,
com o Amor. À distância, que não se aproxima, não toca, não envolve, é feito de
fantasias e de idealização, onde o objeto do amor é o ser perfeito, detentor de
todas as boas qualidades e sem defeitos.
Caramba!
Falei.
Que
vive nas ideias desses amantes, que cantam os poetas mais delirantes, que juram
os profetas embriagados, que está na romaria dos mutilados, que está na
fantasia dos infelizes, que não tem certeza nem nunca terá, que não tem
conserto nem nunca terá, que não tem tamanho, que não tem decência nem nunca
terá, que não tem censura nem nunca terá, que não faz sentido, que todos os
avisos não vão evitar, por que todos os risos vão desafiar, por que todos os
sinos irão repicar, por que todos os hinos irão consagrar, e todos os meninos
vão desembestar, e todos os destinos irão se encontrar...
Que
não tem Lógica e não serve aos seres racionais e previsíveis.
A
cena final de Viver Duas Vezes, supostamente construída pela mente de Emílio a
partir do experimentado na infância, me soou como um convite. Diante da
vastidão do oceano contemplar todo o Infinito.
Não
fosse a Arte, não valeria viver.
Até
breve.
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