quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

ALIANÇA










“O amor é uma batalha entre dois hipnotizadores num quarto fechado.”
J.P. Sartre



Quarenta e cinco anos se passaram desde que Bergman nos brindou com Cenas de um Casamento. Agora é Noah Baumbach que nos oferece História de um Casamento.

Há sim uma única alusão ao mestre feita por Noah em cena breve com um quadro estampado na parede. E só.

Bergman convida às profundezas da existência e seus impactos na relação a dois. Noah nos explicita um tempo de conveniências, em que as relações são pautadas, aliás, como tudo, por aquilo que é “socialmente aceito” mesclado por uma busca desesperada do Homem e da Mulher, protagonistas da guerra dos sexos.

De quebra, o filme lançado esta semana na Netflix, e por ser americano, escancara a invasão do coletivo sobre a individualidade, colocando um preço muito alto para aquele ou aqueles que se antepõem aos ditames do “modelo”.

Motivos não faltam para separação, todo e qualquer casal sabe. Construir uma vida a dois é um dos maiores desafios para homens e mulheres. E a modernidade (ou será pós-modernidade?) agrava na medida em que discute persuadindo o lugar da mulher e do homem na tessitura da construção a dois.

É inevitável o embate dos propósitos e é igualmente inexorável a disputa entre um e outro, de quem deverá capitular no desejo.

E é da natureza de uma aliança a concessão de um dos contendores; não é de todo provável que dois seres tenham projetado para si o mesmo caminho. Quem vence a rota? Quem decide o rumo, os riscos, as circunstâncias, os ganhos e as perdas?

No filme, como de resto em todos os embates, o homem é colocado no lugar daquele que submete, daquele que não escuta, daquele que não se ocupa. A mulher no lugar daquela que concede, que aceita embora não querendo, aquela que abdica para que o homem siga, faça e ela acompanhe.

Em cena impagável o ator (extraordinário, mas meu voto já foi para Joaquin Phoenix) que encarna o marido vai ao extremo dizendo à esposa que ele a deseja morta, desaba de joelhos e em pranto. Ela, em cena também sublime da maravilhosa Scarlett, se aproxima e generosamente o acolhe.

Emblemática esta cena. Não há como não se identificar ali.

Antes de o processo envolver advogados o casal passa por um esforço de mediação. Na presença do mediador, marido e mulher devem ler o que haviam escrito sobre o outro. A narrativa tem nesse texto o início e o fim do drama.

Ela rejeita a ideia, diz que não estava de acordo com a leitura. O mediador insiste e ela deixa a sala. Esse gesto, para mim, é último reduto de alguém para preservar a sua privacidade. É como se ela dissesse: “Afinal esta história me pertence.”.

O filme faz doer quando da intervenção da sociedade, ali representada pelos advogados, de um e de outro, com suas referências mais do que malignas. Desconsideram a verdadeira história do casal e levam para juízo uma perversa lógica que sustenta a tese de quem deve ter “razão” na disputa.

A cena em que marido e mulher estão colocados separados pelos advogados explicita. Ambos são “coisificados” dentro dos trâmites da obra judicial. Um horror.

O alento nesse filme está na cena final.

Há muito a dizer, e por costume e/ou infelizmente, cada post encerra aqui. Talvez eu volte ao tema ainda. Até porque, será que o mesmo ocorre com casais homoafetivos?


Até breve.

Um comentário:

  1. Agulhô, haja maturidade para assistir o filme sem sofrer e conseguir fazer uma análise distante das relações. Sua abordagem suavizou o gosto amargo que senti depois de horas na frente da TV. Vou digerir e assistir de novo...
    Abraço
    Serginho

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