segunda-feira, 4 de novembro de 2019

VÃO


"Viver é vão."
(Alcoólatra)


Estive sexta-feira, à noite, na sessão da Mostra de Cinema e Psicanálise promovida pela Escola Brasileira de Psicanálise.

Na tela, ESPERA, documentário de Cao Guimarães quem, depois da projeção, participou de bate-papo com os presentes.

A Sala Humberto Mauro do Palácio das Artes onde foi realizada devia ter perto de cem ou cento e vinte pessoas, entre estas um alcóolatra. É que a Mostra tem entrada gratuita e recebe indiscriminadamente quem se aplica.

O filme é uma preciosidade. Corajoso o Cao. Incrível como alguém pode encontrar apoio para produzir um filme tão emblemático, denso, descomercial, deslocado e contundente quanto esse Espera.

Foram rodadas zilhões de cenas para se conseguir montar a tessitura da ideia que Cao quis transmitir. O “tempo-morto”, isto é, um tempo sem aplicação. Vazio.

Um porteiro de prédio sozinho sentado na recepção. Plantações de cereais, filas de emprego, pontos de ônibus.

No corpo da narrativa, três personagens centrais: uma jovem em processo de mudança de gênero, uma paciente de clínica de sono e uma senhora que perambulava por rodoviárias procurando um irmão desaparecido.

Entremeadas por flashes diversos de situações que apontam para a ausência de acontecimentos, as vidas dos personagens centrais vão construindo um mosaico de reflexões sobre a questão título do filme.

A jovem trans espera que o tratamento resulte nas mudanças pretendidas em seu corpo; a paciente, com uma parafernália de fios colocados em sua cabeça, espera o sono; algumas sequências da mulher que espera encontrar o irmão dormindo nos bancos de rodoviárias.

Corta!

Terminado o filme o Cao subiu ao palco. Trouxe como elementos para a reflexão dos presentes, entre as motivações para realizar o filme, a questão de que no momento não há tempo para o ócio ou para a contemplação.

Todo o tempo deve ser usado para alguma ação. Ninguém cai no vazio. Ninguém consegue ficar “sem fazer nada”. A solidão absoluta, o recolhimento, o silêncio, o adormecimento já não são mais procurados.

Ali, me coloquei a pensar se essencialmente a Vida não é, em si, a Espera fundamental ao inexorável, à certeza absoluta. Esperar é, no limite, a trajetória da existência, até que...

O tempo presente atenua essa espera nos ocupando sobremaneira de inúmeros inputs de imagens e de sons embarcados em diversos meios midiáticos.

Ah, sim o alcoólatra. Foi, a meu ver, o ponto alto do debate. Ele disse ter cinquenta anos e que, no passado, compunha. Na época, que fazia letra e música, usava o mesmo método de separação das ideias como Cao fez no filme. Hoje não compõe mais já que a Vida, para ele, teria perdido o sentido.

Hoje, perambulando pelas ruas, ele espera.


Até breve.

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