Não sou dos piores, mas sou Homem –
e, acho, devo escrever sim com H maiúsculo.
E não me coloco aqui reduzido à
condição de gênero, mas Homem como produto e reprodutor de uma Cultura, Homem
como patrono de um modelo de estar e transformar o mundo.
Homem, que como disse Simone Beauvoir:
“Vocês fizeram todas as peças.”.
Esta frase dirigida por ela à
Sartre tem iluminado em mim a reflexão do lugar deste Homem como principal
protagonista da História, e que protagonismo.
A VIDA INVISÍVEL, filme do diretor
cearense Karim Aïnouz é um soco na boca do estômago deste Homem.
Retrata finamente a condição das
mulheres no Brasil nas décadas de 1940 e 1950 com os corpos reservados à
propriedade dos Homens e destinados à procriação. Duas cenas são reveladoras.
A primeira, quando uma das
personagens comunica ao pai e ao marido que acabara de receber a notícia de que
havia passado no concurso para o Conservatório de Música. O marido, de forma
irônica e grosseiramente: “Então agora eu
quem vou ter que olhar o menino, cuidar da casa, fazer comida?”. E recebe o
apoio veemente do sogro: “Minha filha,
seu marido tem razão. Você não pode mesmo ir para o Conservatório.”.
A outra, quando a mesma personagem,
tem um surto, atendida por um médico que diz ao marido: “Não se preocupe, ela estará pronta para parir novamente.”.
A cada salto no tempo da trama,
percebemos as seguidas restrições às oportunidades de escolhas das personagens
como a música, os amores descartados pela posição de mãe solteira, o cerceamento
de opinião devido à condição de mulher, mãe, filha, esposa.
Aïnouz não precisa gritar a
indignação contra o patriarcado: basta acompanhar a trajetória de décadas entre
as personagens centrais, tão próximas e tão distantes, imaginando uma para a
outra um destino melhor do que ambas realmente tiveram.
Recentemente citei Eduardo Galeano
e sua tese sobre o arco íris terrestre, dentro de uma perspectiva da construção
da História. A mulher teria sido, para ele, um dos matizes que foram impedidos
de se manifestarem durante séculos e, portanto, invisíveis.
A História Humana forjada a ferro,
fogo e lágrimas pelo Homem e Branco me ocorre como uma das questões mais
relevantes a serem enfrentadas pelo contemporâneo. É verdade que a Mulher a
partir dos anos 60 do século passado, por força de inúmeros movimentos
libertários alcançou espaço de visibilidade.
No entanto, há amplos espaços de
obscuridade guardados e defendidos por este Homem. Eu mesmo, em minha mais
recôndita intimidade, às vezes me percebo, em pensamento, palavras e obras como
um fiel representante da ignomínia.
A partir de mim mesmo sei que não
será fácil depurar o sangue que corre nas veias daqueles que se julgam primazes.
Há muito recalque, instinto primitivo, ferocidade componente neste Homem.
De novo o cinema, dando
visibilidade às nossas mais dramáticas mazelas.
Ave, Aïnouz!
Até breve.
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