quarta-feira, 13 de novembro de 2019

GUILHOTINA




“O melhor negócio do mundo no futuro será a misericórdia.”
(Fala do protagonista do filme EUFORIA, em cartaz na Netflix)


Eduardo Galeano, em vídeo O Tempo e o Modo, nos convida a pensar. Ele diz que o arco-íris celeste é menor do que o arco-íris terrestre.

Todas as cores naturais estão contempladas no fenômeno celeste. Nós vemos apenas aquelas com as quais nos identificamos.

As “cores” do fenômeno terrestre são mais diversas e mais difíceis de serem aceitas, vistas, absorvidas ao longo de toda a História.

Ele se refere a quanto empobrecemos ao longo da História na medida em que excluímos tantas “cores” que deveriam ter sido usadas para compor o mosaico da tela humana.

As mulheres foram excluídas. A Declaração dos Direitos Humanos redigida pós queda da Bastilha foi um documento elaborado e imposto pelos homens. Uma mulher rebelou-se e entendeu que deveria ser também escrita a Declaração dos Direitos da Mulher. Ela foi decapitada.

Os negros, os índios, os pobres, os exilados, os refugiados. Pedissem que a Guerra de Tróia fosse contada por um dos soldados que nela combateram provavelmente teríamos uma versão de “cor” diferente daqueles que a relataram.

As guerras são historiadas pelos generais que não participam da luta, portanto não sabem do olor do sangue derramado.

O tempo histórico foi registrado ao modo da crueldade e da barbárie. Nenhuma raça do planeta se mostra tão iníqua e tão empobrecida diante da riqueza e da abundância de suas imensas potencialidades.

Por um feliz acaso depois de ter assistido ao vídeo citado, me deparei com o filme italiano EUFORIA, na Netflix.

Não é de todo possível fazer uma relação direta entre o vídeo e o filme, exceto por uma curta cena do enredo. O protagonista é um exitoso arquiteto que está negociando com autoridades da Europa a construção de abrigos para refugiados.

Na cena, ele está em um restaurante com um amigo e o irmão. Depois de tecer considerações sobre o projeto ele diz a frase epígrafe deste post.

O filme é belíssimo de uma “cor” diversa à ligação que faço com o vídeo de Galeano. Vale a pena ser visto pela sua contemporaneidade, pela beleza do drama e pela qualidade da fotografia além da performance do ator principal.

Fui dormir pensando sobre o privilégio do acaso em ter me defrontado com as duas obras.

Minhas retinas fatigadas e delimitadas pela minha imensa ignorância têm me impedido de olhar ao arco-íris terrestre e, no mínimo, compreender melhor o espectro amplo da sua matriz.

Talvez derive daí toda a minha pequenez.



Até breve.

2 comentários:

  1. Querido Agulhô, que belíssima reflexão. É uma aquarela, um mosaico colorido de belíssimas ideias. Entendo que, neste momento cheio de 'nós contra eles', o Eduardo Galeano deve estar pasmo com a premonição de Machado de Assis, que dizia: "Tudo é uma questão de ponto de vista. Até o chicote pode ser bom, se você estiver do lado do cabo".

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