domingo, 13 de outubro de 2019

ZAPTRÊS




“A função dramatúrgica de substituir aquilo que não pode estar presente, ele é uma substituição rica, ele é a carta que pode fechar uma canastra quando você não tem a carta real.”
ANSELMO VASCONCELLOS


Pois é, há ainda muito a explorar de Coringa.

“Tudo o que ouvimos sobre esse filme é que devemos temer e ficar longe dele. Nos disseram que é violento, doente e moralmente corrupto. Fomos informados de que a polícia estará presente em todas as sessões neste fim de semana em caso de ‘problemas’. Nosso país está em profundo desespero, nossa constituição está em pedaços, um maníaco desonesto do Queens tem acesso aos códigos nucleares – mas por algum motivo, é de um filme que devemos ter medo.

Eu sugeriria o contrário: o maior perigo para a sociedade pode ser se você não for ver este filme. A história que conta e as questões que ela suscita são tão profundas, tão necessárias, que se você desviar o olhar da genialidade dessa obra de arte, perderá o que ela está nos oferecendo. Sim, há um palhaço perturbado, mas ele não está sozinho – estamos de pé ao lado dele. Coringa não é um filme de quadrinhos.”

Trecho de um artigo do cineasta diretor de “Tiros em Columbine” Michael Moore, que recebi ontem de uma amiga via zapzap.

Ontem, ainda ruminando, coloquei-me a pensar sobre a fala de Simone de Beauvoir em um diálogo com Sartre: “Vocês fizeram todas as peças”. Ela posicionava o parceiro quanto ao lugar do masculino na feitura da História.

Não “olho” para esta citação na perspectiva do homem masculino, mas de todo aquele que, independente do gênero representa e exerce o lugar de poder discricionário.

Fazendo uma forção-de-barra ou recorrendo à licença poética cheguei a pensar de que essa mãe louca, impotente, vilipendiada por quem a explorou durante décadas, representa simbolicamente a Sociedade.

Em tese - eu disse que iria forçar - a Sociedade aqui como ente de acolhimento, maternalidade, afeto e berço da convivência explorada e reprimida pelo Poder Absoluto, representado em Coringa pelo “pai” de Arthur ou, se quiserem, o Estado.

Ir por aí é se permitir pensar no esgotamento dos mecanismos democráticos e na estruturação das instituições representativas contemporâneos. Claro que não estou me restringindo à nossa realidade, mas no sentido mais amplo, Ocidental.

A cena apoteótica que coloca Arthur no estúdio de TV frente ao ícone do mundo midiático é belíssima, pela explicitação deste esgotamento. O apresentador tenta contemporizar a amargura de Arthur frente a tudo que ele teria vivido até ali:

- Nem tudo está tão mal, Arthur...

- Tudo está horrível! Você é horrível!

Assistam.


Até breve.

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