sábado, 7 de setembro de 2019

MANTONS




Depois de trezentos e vinte e dois anos de jugo sob aqueles que invadiram estas paragens paradisíacas, afrodisíacas, dadivosas a todas as sementes e ediceteraetal, essa terra abençoada por Deus e bonita por natureza ypirangou-se.

Por dissidência familiar de um de seus mais brilhantes membros, que ousou ficar, há cento e noventa e sete anos deixamos de ser dos outros e passamos a ser de nós mesmos. Deixamos de ser colônia e viramos uma nação.

Mesmo? Eu, pa, tenho cá comigo as minhas dúvidas.

Quem escreve este post não deveria fazê-lo. Lopes, Agulhô, Ferreira, Ramos, Vanucci, Kupermann, Freitas, Silva, Pasternak, Colleman, Temer, Roussef, Bolsonaro, Collor, Maia, Zema, Aras, Moro, Acolumbre, Drummond, Guimarães, Rosa, Cândido, Barbosa, Karnal, Pondé, Cortela, Severo, Buarque, Holanda, Veloso, Braga, Neves, Araujo e todos os demais invasores dos tupiniquins propósitos.

“Produtos” importados, muitos de nós evadidos de terras outras, por zilhões de razões que não cabe abordar. Eu próprio já disse aqui que ouvi meus gritos de criança na casa construída pelo meu avô na Catalunha. E eu só estive lá para conhecê-la sessenta anos depois.

A gente não é daqui. Aqui não existe. Isso aqui é terra de ninguém.

Perdidos no espaço e no tempo carregando historicamente mantons de manilla (minha avó os trouxe para sempre lembrar que um dia voltaria) ainda não nos constituímos como algo que seja de si e próprio.

A única parcela que se assemelha é a dos infelizes, os miseráveis e os silvícolas remanescentes, cada vez mais empurrados pela ordem e o progresso (patrocinados pelos invasores) para seus aglomerados, suas favelas periféricas, suas vergonhosas reservas, excluídos de ser.

O valor daqui está lá fora, nosso olhar e conduta sempre foi de atribuir o melhor às nossas origens, como se coletivamente inconscientes ainda estivéssemos lá.

Vejam, a questão é séria. Nada que uma reforma previdenciária e fiscal dê conta, a venda de patrimônio público inservível, a reforma da máquina estatal, a carteirinha de estudante, os limites de abuso do poder, estas coisinhas poucas circunstanciais e dahora. A história de uma nação é secular.

Um de nossos mais brilhantes antropólogos dizia: miscigenizem-se, como se de tanto misturar resultasse em algo uno.

Não, o pior é que não.

África, Ásia, Oceania, Américas misturadas não se tornarão um lugar.

Um lugar assim como uma pessoa se faz por escolhas e elas ainda não foram feitas. Sucessivamente temos sido subjugados pelo egoísmo, vilania, truculência de capatazes. Lembro-me aqui daqueles que violentaram meus avós quando chegaram a esta terra.

Não sei se me entristeço ou se opto por gargalhadas ensandecidas quando me deparo anualmente com estas paradas alusivas à independência, expondo nossas forças como se quiséssemos dizer aos nossos inimigos do nosso poder. Inimigos? Mas eles estão aqui dentro, ainda não os descobrimos?

Hoje, fosse às avenidas, nem de azul iria. Estou envergonhado com o Cruzeiro (Palestra Itália), que nem de meu posso chamá-lo. 


Até breve.

Um comentário:

  1. Agulhô, nem de azul, nem de verde e amarelo, nem de nada eu iria à parada de 7 de Setembro. Afinal, como diz a peça de teatro: o rei está nu, e nós- desesperançados- estamos dentro de uma burca, envergonhados de todas as cores. Saudade do JK, que- mais do que Brasília, energia e transporte- havia nos deixado certo orgulho de sermos brasileiros.

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