“Não há vida mais bela que a de um
homem despreocupado;
A
despreocupação é um mal verdadeiramente indolor.”
Sófocles
Houve
época em que este blog servia-me como espasmo. Foi assim com minhas
ruminessências, minhas estórias sem pé nem cabeça, meus trens e só meus.
Meditava
sobre qualquer satisfação, mesmo as mais fantasmáticas, não passando
simplesmente por elas, mas, sobretudo sondando-as. O blog nasceu para eu me
saber.
Ontem
a vida me atropelou e aconteceu fundo. Estive por algumas horas saboreando o
aniversário de um primo que somou setenta anos.
E
foi assim.
Ele
mora há trinta e sete anos na casa em que recebeu seus convidados escolhidos,
na fala dele, com rigor e consideração. Ser distinguido para a ocasião já me
fez sentir como se eu fosse alguém e querido.
A
morada ocupa um lote que ultrapassa de uma rua a outra, com duas entradas. Nos
fundos, a vida misturando cultura e natureza, dando um ar de maravilhas do sem
fim.
Levado
por caminhos estreitos entre árvores baixas e floridas, acesso a um cômodo onde
ele expõe, em uma das paredes, uma coleção de bandolins, carregados de histórias
vindas de um zilhão de lugares desse mundo afora.
Marcelo
reúne alguns dos convivas e, emocionado e paciente, retira da parede um a um
dos instrumentos e relata como ele adquiriu a peça. Uma balalaica rara
fabricada para comemorar os trezentos anos da cidade de São Petersburgo, por
exemplo.
À frente
do cômodo, em um viveiro circular, ele cultiva pássaros raros de um colorido
extremo e singular. Marcelo chama as crianças, entra dentro do viveiro, retira
algumas caixinhas onde filhotes respiram os seus primeiros ares e, expondo-os
diz: “hoje em dia são poucas crianças que tem acesso a isto”.
Mais
a frente outro viveiro aloja uma arara de 69 anos de vida. Está com Marcelo há
trinta e nove anos. Logo que ele ganhou de um amigo, procurou legaliza-la.
Dentro do processo ele seria visitado a cada seis meses por um técnico do órgão
de controle. Há trinta e oito anos que não aparecem.
Mais
a direita do viveiro da esquecida, ele construiu e cultiva um orquidário de
rara e singela artesania.
Ao
cair da noite, Marcelo toma do violão e acontece o que mais me arrebata deste
meu primo a quem toda nossa família tem como exemplar. Mais do que a oftalmologia,
ciência que escolheu para servir aos seus semelhantes.
Ele
nos faz enxergar melhor, quando nos convida ao canto.
Saí de lá embriagado de alegria. Foi bom de
doer.
Até
breve.
A arara tem sua idade, os bandolins sim , são antigos, ...que lindo deve ser esse lugar.
ResponderExcluirQue espetáculo conseguir levar quem o lê junto, como se a pessoa estivesse estado na festa, que lindo escrever assim, ...parabéns professor. Delícia de lugar, com pessoas queridas. Um abraço.
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