sábado, 28 de setembro de 2019

PORVIRES




A semana que vem promete.

Segunda chega a BH, Bernardo, o meu mais novo. Vem de fez do nordeste, por onde andou nos últimos três anos a procura de si mesmo. Não sei por que, mas sempre achei que este menino teve a quem puxar.

Na quarta, à noite, desembarcam Pretinha, Liz e Tin, para uma visita de seis ou sete dias. A energia que dispendo com minha filha é infinitamente maior do que aquela que me consomem meus netinhos.

Vladimir, o mais velho, deve seguir sua vidinha maneira com suas artes mecatrônicas, principalmente depois que, surpreendentemente, entrou numa de Pilates e RPG. Não me conformo com isso.

Na quarta, concorrendo com o ufanismo pela chegada de Pretinha e dos meninos, tem Grêmio e Flamengo. Na tristeza que se tornou também o futebol brasileiro, deve ser um jogo que mereça acompanhar. Os dois times têm jogadores que sabem que a bola é redonda.

No plano mais alto, segue a tragicomédia.

Os delirantes perversos, que não deixaram ainda o palanque, seguirão com suas falas e posts que, se horrorizavam no início, a cada dia que passa tornam-se mais ridículos e desarticulados. Nem à bolha nas redes sociais a quem se destinam parece interessar.

Se bem que vivemos pilhérias melhores com ex-moradores do palácio, quando o principal inquilino, na época uma senhora, tinha planos de estocar vento.

Na quarta, também, aí sim deve acontecer algo de relevância. O STF conclui o julgamento de um HC que pode reverberar em centenas de sentenças promulgadas contra o bando de pacientes (o Direito cunha termos técnicos hilariantes) integrantes das quadrilhas do milhão/bilhão.

A senhora Justiça está com um olho vendado – para as quadrilhas do tostão – e outro bem aberto para as quadrilhas do milhão/bilhão. O veredicto será modulado (ah, o Direito!) para quem deverá alcançar a graça.

Alguém tem dúvida aí do que deverá vir?

Não sei por que não se promulga uma lei fixando um percentual propinântico e institucionalizamos de vez o que constitui nosso caráter. O que gastamos com estes processos judiciais deve orçar na mesma medida do que nos foi rapinado. Gastaríamos a metade com nossa bandalheira.

Por sua vez não está previsto para a semana que vem, pelo menos que eu saiba, o desfecho do drama circense entre o ex-Procurador Geral da República e um dos elementos da Suprema Corte. Ao que parece, com a determinação de que o potencial “facínora” deverá se manter a trezentos metros de distância do Tribunal, não deveremos ter nas nossas estatísticas o registro de um crime a mais, seguido de suicídio.

Enquanto isto, no Brasil Real, a semana deverá seguir com regularidade registrando a barbárie de assassinatos por balas perdidas e crimes como o que vitimou a jovem universitária de 19 anos, filha única que tinha planos de se casar em janeiro. Ela pediu a um homem que a ajudasse trocar o pneu de seu carro.

O criminoso saiu da cadeia há coisa de mês e meio.


Até breve.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

QUIXOTE


“Ser escritor é muito melhor do que ser cientista”.
Ariano Suassuna


Há alguns dias atrás estive em João Pessoa. Visitando um museu deparei-me com uma escultura de Ariano feita por Jurandir Maciel.

Gosto profundamente de Suassuna por duas razões: a principal, porque ele me faz lembrar meu pai e a igualmente principal, pela sua inteligência e como ele a usou para resistir por uma cultura genuinamente brasileira.

Sua expressão facial permanente é um sorriso. Somente um iluminado como o paraibano escolhe o humor como manifestação do absurdo que é estar vivo, especialmente nos tempos presentes.

E há nele, no fundo, um ideário determinante: nenhum ditador suporta uma gargalhada de três voltas. “Nazismo não daria certo no Brasil, a gente esculhambaria com isso logo”.

Não venha me dizer que ele está morto. Ele está Presente.

Cada homem é uma boa educação para si mesmo, desde que tenha a capacidade de se observar de perto. Enquanto cuido da prosaica vida cotidiana, minha vida poética caminha atrás de mim, observando e tomando notas.

Ariano Suassuna sempre iluminou esse caminho.

Tome assento, abra-se à paz ciência e escute.


Até breve. 





segunda-feira, 23 de setembro de 2019

CASASSANTA




“Não há vida mais bela que a de um homem despreocupado;
A despreocupação é um mal verdadeiramente indolor.”
Sófocles


Houve época em que este blog servia-me como espasmo. Foi assim com minhas ruminessências, minhas estórias sem pé nem cabeça, meus trens e só meus.

Meditava sobre qualquer satisfação, mesmo as mais fantasmáticas, não passando simplesmente por elas, mas, sobretudo sondando-as. O blog nasceu para eu me saber.

Ontem a vida me atropelou e aconteceu fundo. Estive por algumas horas saboreando o aniversário de um primo que somou setenta anos.

E foi assim.

Ele mora há trinta e sete anos na casa em que recebeu seus convidados escolhidos, na fala dele, com rigor e consideração. Ser distinguido para a ocasião já me fez sentir como se eu fosse alguém e querido.

A morada ocupa um lote que ultrapassa de uma rua a outra, com duas entradas. Nos fundos, a vida misturando cultura e natureza, dando um ar de maravilhas do sem fim.

Levado por caminhos estreitos entre árvores baixas e floridas, acesso a um cômodo onde ele expõe, em uma das paredes, uma coleção de bandolins, carregados de histórias vindas de um zilhão de lugares desse mundo afora.

Marcelo reúne alguns dos convivas e, emocionado e paciente, retira da parede um a um dos instrumentos e relata como ele adquiriu a peça. Uma balalaica rara fabricada para comemorar os trezentos anos da cidade de São Petersburgo, por exemplo.

À frente do cômodo, em um viveiro circular, ele cultiva pássaros raros de um colorido extremo e singular. Marcelo chama as crianças, entra dentro do viveiro, retira algumas caixinhas onde filhotes respiram os seus primeiros ares e, expondo-os diz: “hoje em dia são poucas crianças que tem acesso a isto”.

Mais a frente outro viveiro aloja uma arara de 69 anos de vida. Está com Marcelo há trinta e nove anos. Logo que ele ganhou de um amigo, procurou legaliza-la. Dentro do processo ele seria visitado a cada seis meses por um técnico do órgão de controle. Há trinta e oito anos que não aparecem.

Mais a direita do viveiro da esquecida, ele construiu e cultiva um orquidário de rara e singela artesania.

Ao cair da noite, Marcelo toma do violão e acontece o que mais me arrebata deste meu primo a quem toda nossa família tem como exemplar. Mais do que a oftalmologia, ciência que escolheu para servir aos seus semelhantes.

Ele nos faz enxergar melhor, quando nos convida ao canto. 

Saí de lá embriagado de alegria. Foi bom de doer.


Até breve.








sábado, 21 de setembro de 2019

PÁSSARO




“Ser um homem que se equilibra entre a indignação profunda do que seus olhos veem e a doçura tocante do que pode perceber além disso. Se um dos dois vencer a batalha, o caminho, talvez, tornasse-a algo temerário”.
Chico Cesar


Sumi daqui. Se fosse me justificar diria que por razões relevantes. Uma delas, a de sempre há mais de cinquenta anos: o prosaico de ter que ganhar a vida. Letrar sempre foi apêndice da minha existência.

Se bem que, entre um palpite e outro em reuniões corporativas, li de Sarah Bakeweel seu livro eleito um dos dez melhores do ano pelo New York Times, No Café Existencialista – O Retrato da época em que a filosofia, a sensualidade e a rebeldia andavam juntas.

Mais de quatrocentas páginas de puro êxtase.

O que é ser livre? Temos uma natureza fixa ou podemos ser o que escolhemos? Se somos livres para moldar nosso mundo, como queremos que ele seja? O que é viver uma vida honesta e autêntica? E por que nos esquecemos sempre de nos maravilharmos por estarmos aqui, neste momento, nesta terra?

Essas perguntas foram feitas pelos existencialistas, um grupo de filósofos e romancistas cuja história se alongou dos anos sombrios do período entreguerras até a efervescente Paris do fim dos anos 40 – e além.

Ao confrontar os problemas mais básicos da existência humana, eles desafiaram a ortodoxia de sua época e deixaram suas marcas na cultura jovem dos anos 60, nos direitos civis e nos movimentos de libertação.

Eu mesmo fui vítima. Cabelos nos ombros, barba por fazer, macacão jeans, camiseta surrada, chinelos de sola de pneu. O assunto da filosofia é tudo o que você vivencia, como e enquanto vivencia.

Minha existência é ativa: vivo-a, escolho-a, e isso precede qualquer afirmação que eu possa fazer sobre mim mesmo. Mesmo que isso se assemelhe ou se configure como angústia, é assim a vertigem da liberdade.

Nos muros – (caramba) as pichações, nunca as fiz e não sei se me arrependo.

ü      É PROIBIDO PROIBIR
ü     UM HOMEM NÃO É BURRO E NEM INTELIGENTE: É           LIVRE OU NÃO É.
ü     SEJA REALISTA: EXIJA O IMPOSSÍVEL.
ü     TÁ TUDO CERTO, MAS TÁ ESQUISITO.

A filosofia fica mais interessante quando seu perfil tem os moldes de uma vida. Da mesma maneira que a experiência pessoal é mais interessante quando refletimos sobre ela.

Talvez estejamos prontos para voltar a falar de liberdade – e falar sobre ela de maneira política também significa falar sobre ela em nossa vida pessoal.

A citação que fiz de Chico Cesar, o iluminado paraibano, retirei de seu último trabalho “O amor é um ato revolucionário”, dá conta da ideia.


Até breve.

Bakewell, Sarah – No café existencialista. O retrato de uma época em que a filosofia, a sensualidade e a rebeldia andavam juntas / Sara Bakewell, 1ª edição – Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

RUPTURA





“Nunca passaremos definitivamente da ignorância à certeza, pois o fio do questionamento sempre nos levará de volta à ignorância”.
Sarah Bakewell

“A necessidade de reflexão, de fazer sentido em nossa condição temporária, é a dádiva paradoxal que recebemos do tempo, e possivelmente o melhor consolo.”
Eva Hoffman



Assisti à Bacurau no cinema e, no CCBB, ao espetáculo mineiro “E Ainda assim Se levantar”.

Em cena da peça do CCBB um dos personagens coloca: “Perguntei a meu primo se ele contrataria um advogado ou um médico. Claro, ele me respondeu. E um ator? perguntei-lhe em seguida. Para que serve um ator?”.

Frequentemente coloco-me a pensar sobre o serviço da arte, a função, o lugar. Para além do entretenimento, à diversão, ao lazer, ao riso. A Arte como formadora de consciência, em sentido mais amplo que possa ser.

Ontem, à noite, experimentei emoções trazidas da memória. Na juventude, quando universitário da FAFICH da Rua Carangola fui assíduo frequentador e entusiasta participante dos diversos movimentos teatrais acobertados pelo DA.

Ontem, no CCBB, reexperimentei o sangue nas veias esquentarem pelo texto panfletário encenado. Um grito, literalmente, para que aquilo que estava sendo trazido fosse ouvido pela plateia. Instigação, sedução, apelo desesperado, clemência, todo o tipo de manifestação em benefício de uma escuta.

De onde podemos encontrar forças quando parece que não podemos aguentar mais? Essa é a questão proposta pelo espetáculo que encerrou sua temporada, mas que deve retornar ao palco, por força do sucesso de público.

O texto resultou de um projeto da pesquisa “a potência da precariedade”, que durante todo o processo de criação levantou questões que buscam identificar como podemos encontrar força em situações de eminente esgotamento, pessoal, social ou político.

Momentos assim são paradoxais. Como dizia o poeta Holderlin, onde mora o perigo, é lá que também cresce o que salva. Essa é uma das reflexões que motivaram a criação do espetáculo.

Bacurau explicita na telona, por outra vertente, a mesma questão. Até quando vamos suportar. O filme abre com o enunciado: daqui alguns anos.

Tanto filme quanto peça não podem ser sorvidos ao pé-da-letra ou a cada cena. Há muito de arte neles envolvida para horas e horas de reflexão profunda. Quem sabe até atitudes?


Eu quero me permitir um tempo para processar.

Ambas as obras servirão a mim para pensar. Embora tenha presente que, a cada dia, pensar seja algo que não sirva a muitos.


Até breve.




sábado, 7 de setembro de 2019

MANTONS




Depois de trezentos e vinte e dois anos de jugo sob aqueles que invadiram estas paragens paradisíacas, afrodisíacas, dadivosas a todas as sementes e ediceteraetal, essa terra abençoada por Deus e bonita por natureza ypirangou-se.

Por dissidência familiar de um de seus mais brilhantes membros, que ousou ficar, há cento e noventa e sete anos deixamos de ser dos outros e passamos a ser de nós mesmos. Deixamos de ser colônia e viramos uma nação.

Mesmo? Eu, pa, tenho cá comigo as minhas dúvidas.

Quem escreve este post não deveria fazê-lo. Lopes, Agulhô, Ferreira, Ramos, Vanucci, Kupermann, Freitas, Silva, Pasternak, Colleman, Temer, Roussef, Bolsonaro, Collor, Maia, Zema, Aras, Moro, Acolumbre, Drummond, Guimarães, Rosa, Cândido, Barbosa, Karnal, Pondé, Cortela, Severo, Buarque, Holanda, Veloso, Braga, Neves, Araujo e todos os demais invasores dos tupiniquins propósitos.

“Produtos” importados, muitos de nós evadidos de terras outras, por zilhões de razões que não cabe abordar. Eu próprio já disse aqui que ouvi meus gritos de criança na casa construída pelo meu avô na Catalunha. E eu só estive lá para conhecê-la sessenta anos depois.

A gente não é daqui. Aqui não existe. Isso aqui é terra de ninguém.

Perdidos no espaço e no tempo carregando historicamente mantons de manilla (minha avó os trouxe para sempre lembrar que um dia voltaria) ainda não nos constituímos como algo que seja de si e próprio.

A única parcela que se assemelha é a dos infelizes, os miseráveis e os silvícolas remanescentes, cada vez mais empurrados pela ordem e o progresso (patrocinados pelos invasores) para seus aglomerados, suas favelas periféricas, suas vergonhosas reservas, excluídos de ser.

O valor daqui está lá fora, nosso olhar e conduta sempre foi de atribuir o melhor às nossas origens, como se coletivamente inconscientes ainda estivéssemos lá.

Vejam, a questão é séria. Nada que uma reforma previdenciária e fiscal dê conta, a venda de patrimônio público inservível, a reforma da máquina estatal, a carteirinha de estudante, os limites de abuso do poder, estas coisinhas poucas circunstanciais e dahora. A história de uma nação é secular.

Um de nossos mais brilhantes antropólogos dizia: miscigenizem-se, como se de tanto misturar resultasse em algo uno.

Não, o pior é que não.

África, Ásia, Oceania, Américas misturadas não se tornarão um lugar.

Um lugar assim como uma pessoa se faz por escolhas e elas ainda não foram feitas. Sucessivamente temos sido subjugados pelo egoísmo, vilania, truculência de capatazes. Lembro-me aqui daqueles que violentaram meus avós quando chegaram a esta terra.

Não sei se me entristeço ou se opto por gargalhadas ensandecidas quando me deparo anualmente com estas paradas alusivas à independência, expondo nossas forças como se quiséssemos dizer aos nossos inimigos do nosso poder. Inimigos? Mas eles estão aqui dentro, ainda não os descobrimos?

Hoje, fosse às avenidas, nem de azul iria. Estou envergonhado com o Cruzeiro (Palestra Itália), que nem de meu posso chamá-lo. 


Até breve.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

LONA




O que me desanima são os comentários.

Ei, espera, volta aqui, eu sei, você já leu esta frase, mas este é outro post.

Se bem que, em tese, sobre o mesmo, a mesmice, a repetição, o lugar e senso comum, a chatice. Ou até descalabro. Hoje está em voga: esdruxulo.

Este blog tem um único compromisso: desopilar o seu redator, embora nunca soube o que isto quis dizer exatamente. De novo, os que me leem já algum tempo sabem que não se aproveita nada daqui. Tipo do discurso enviesado, com a explícita intenção de dizer o rigorosamente oposto.

Vamos ao post.

Comentário extraído hoje de uma crônica em jornal digital:

“A preocupação com as expressões e opiniões do presidente contra isso ou aquilo, contra este(a) ou aquele(a), alimenta a mídia egocêntrica. O presidente veio para isso mesmo, mudar o que deve ser mudado, mexer onde deve ser mexido. A insatisfação é porque ele veio e está fazendo tudo que o politico bonzinho não ia fazer, mexer em tudo e dar uma volta por cima no brasilzão abandonado. A crítica quanto a tudo que o homem faz é fruto da desejada mesmice, da desejada deixa como está para ver como é que fica. Todos falavam em reformas, em mudanças e tal, quando elas vem a grita é geral. É incrível.”

Se o presidente conseguir concluir o mandato, serão quatro anos de um inestimável serviço ao país: a explicitação da barbárie, da ignorância e da truculência predominante.

Este presidente é de uma pureza acachapante. Ele age e reage seguindo seus instintos primários. Ontem ouvi um repórter dizer que o presidente não sabe da liturgia do cargo. Fico imaginando a reação do mandatário: “Liturgia? Isso é coisa de veado ou de esquerdopatas!”

Esse cara é outra coisa, não tem nada a ver com o que quase sempre esteve exposto. Ele não está sentado em uma cadeira institucional com seus ditames protocolares e etiquetas transnacionais. Ele é franco-atirador.

Ele não representa nenhuma lógica ideológica, religiosa, moral, partidária encontrada nos livros mais complexos da sociologia tradicional ou contemporânea. Ele fala por si e foda-se o mundo!

Na nossa tragicomédia não poderia faltar um personagem tão rico, quanto o atual presidente da respública. Assim mesmo: res, com o sentido de próximo, portanto próximo do público, do povo.

Ele é a nossa melhor representação até aqui, embora possa melhorar muito ainda. Ele consegue incorporar toda a nossa história não resolvida de um passado remoto e de um passado recente e está preso a eles com uma convicção doentia. Tudo que está aí, para ele, resulta do passado feito “por eles”. Sua missão carregada no nome é limpar a história e fincar um marco: Brasil antes e depois de mim.

Só que o mundo não tem mais graça para os loucos varridos. Logo logo eles perdem sua comicidade e tendem ao ostracismo.

Uma pena, enquanto duram a gente se diverte tanto! Afinal que papel ocupamos na tragicomédia, senão de plateia.

De um circo. Às vezes, de horrores, é claro.


Até breve.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

DEMO




O que mais me desanima são os comentários.

Leio, praticamente todo os dias pela manhã (bem cedo), jornais na internet. Vou de política a fofocas de celebridades, de crimes a crônicas e artigos, e quase sempre saio de casa com um gosto de num-sei-quê na garganta. Só sei que não é bom.

Esse mal estar não deriva da leitura já que há anos as notícias variam apenas dos atores, o enredo trágico há décadas é o mesmo. De reformas estruturais na economia a atiradores nos states.

Agora tenho me interessado mais pelos comentários dos leitores do que pelos fatos. Poderia pinçar centenas deles para ilustrar meu interesse, mas vou ficar com apenas um ou dois.

Hoje, no Estadão, foi publicada uma entrevista com o empresário Alberto Saraiva dono do Habibi´s onde ele comenta sua atuação no processo de impedimento da ex-presidente da república e do desempenho do atual.

Comentário de um leitor: “Concordo com o Alberto Saraiva em tudo que ele disse, mas podia melhorar a esfiha de carne do Habibi's que é horrível, é só comer para ficar com o gosto na boca o resto do dia”.

Comentário de outro leitor a esse comentário: “Não acho ruim”...

Outro dia assisti na TV reportagem sobre a determinação de um juiz para que os órgãos competentes retirassem radares de velocidades de uma determinada via pública de intenso movimento de veículos no Rio de Janeiro.

Tal determinação derivou de inúmeros apelos da população que ao fazerem uso da via tinham que reduzir a velocidade e se tornavam presa fácil para assaltantes, moradores de comunidade vizinha.

A reportagem foi às ruas e entrevistou algumas pessoas sobre o assunto, favoráveis ou contra a medida judicial. Achei uma pérola o comentário de um dos entrevistados:

- “Que bom que a gente vive em uma democracia, né? Hoje a gente pode escolher se quer morrer de bala ou em acidente”...

Voltando aos comentários sobre a entrevista do presidente do Habibi´s, pinço outro, extremamente esclarecedor:

- “Cuidado, Saraiva, que os fiéis bolsonarianos não vão mais comer no Habib´s”.

Eu, em júbilo, arremato como meu comentário igualmente infame:

- Que bom que a gente vive em uma democracia, né?

Embora tenhamos que ficar com um gosto ruim na boca todo dia.



Até breve.