quarta-feira, 28 de agosto de 2019

SABIAR




Envelhecer tem lá suas vantagens.

Uma delas é que tornar-se velho é inexorável e você não precisa entrar em crise se quer ou não quer ficar velho. Querendo ou não você fica.

Outra vantagem é que você já viveu tanta esperança que, de repente, conclui que no fundo são quimeras e como tal servem como um “barato” que passa. Enquanto você está sobre o efeito delas é nirvânico, tântrico, trifânico, birmânico, budânico. Enfim, fumaça.

Ficar velho potencializa a procura de lamentos, especialmente agora, com a lacuna BUSCA em quaisquer merdinhas dessas de tela. Nelas você pode até fazer seu check up quantas vezes e doenças você estiver supondo estar sendo acometido ou queira inventar. Não há plano de saúde gratuito e tão amplo como o GoogleMed e nenhum é portátil, de livre acesso e resposta instantânea sem réplica quanto esta maravilha do GoogleCare.

E a seleção da escuta? Essa não tem preço, Mastercard perde feio. Adoro quando dizem: ele está ficando surdo. O gerúndio aqui é um lenitivo gradual de decibéis.

E o observar o gosto refinado das coisas, tanto as ingeridas, quanto as expelidas? O olhar velho (tanto com os olhos superiores quanto com o olho inferior) com suas retinas/pregas fatigadas de tanto imaginar ver com o filtro da experiência que se quer viver.

A escrita, quando se tem o dom de bulinar as palavras, subvertendo-as, dominando-as por ter sido tão maltratado por elas ao longo de anos. Cândida vingança.

Ficar velho tem suas vantagens.

Em tempos, como o nosso, em que superfície é conteúdo, envelhecer é um bálsamo. A gente passa a olhar para tudo dando a exata medida de valor a cada átimo.

A pressa é inimiga da perfeição. O velho sabe que a perfeição é um cadáver. Para lá nós vamos. Ele anda manso com a cabeça nas nuvens. O dia em que a senhora de negro e foice de lâmina longa vier, ele estará descansado.

Aos velhos, quase sempre, é reservada a melhor vantagem: tornar-se avô, para ser amado, verdadeiramente. Ninguém experimentará o amor verdadeiro se não viver a experiência da avosidade.

O velho pereniza sua ilusão de importância no neto. Acredita que enquanto durar a infância do neto ele será útil.

Por último, aqui (naturalmente), o velho tem a vantagem de apaixonar-se deliberadamente, nem que seja pela sua própria vida. O velho tem uma estória pregressa a ser contada, não um vazio adiante. Ele tem um patrimônio vivencial, não um porvir, sabe-se lá em que direções.

O velho, não importa em que idade que comece a velhice, pode ser mesmo aos trinta e poucos anos, sabe-se.

E esta é a vantagem soberana.


Até breve.


Nenhum comentário:

Postar um comentário