De
quebra, fui assistir ontem ao filme Era uma Vez... em Hollywood.
Se
Bob Dylan ganhou o Nobel de Literatura, voto em Tarantino para o mesmo prêmio.
A obra do cineasta o credencia para a distinção.
No
seu filme anterior, Os Oito Odiados, ele trabalha durante aproximadamente uma
hora a apresentação dos personagens, sua origem e suas motivações, à
medida que se deslocavam pela neve. Esta apresentação, espécie de antessala ao
conflito que desencadearia a ação principal, tem ocupado um espaço cada vez
maior na filmografia do diretor. Ele prefere deixar em segundo plano as
reviravoltas espetaculares para privilegiar a criação de personagens, brincando
com estas figuras como quem brinca de bonecos dispostos em situações
desconexas, pelo simples prazer do jogo.
A
abordagem lúdica resulta na estrutura surpreendente de Era uma Vez... em Hollywood, projeto
de três horas de duração que passa mais de duas horas introduzindo personagens
e deslocando-os livremente pelo mundo do cinema.
O
foco do projeto se encontra no aspecto patético de um ator tentando ser amado e
reconhecido, de um dublê que se limita à função de capacho e da esposa-troféu
que passa os dias caminhando pela cidade, bela e superficialmente, enquanto a
câmera filma sua bunda e seus pés nus.
Tarantino
se diverte com o cotidiano destes anti-heróis, os diálogos banais nos
bastidores, o momento de dar comida ao cão, os ensaios sozinhos dentro de casa.
Seria exagero dizer que Era uma
Vez... em Hollywood subverte o glamour do cinema: ele apenas não se
interessa por este aspecto, deixando-o em segundo plano ao privilegiar a
metalinguagem dos personagens-que-interpretam-personagens.
DiCaprio
aparenta se divertir muito no personagem do sujeito infantil, enquanto Pitt
encarna o monstro gentil, o tipo cujos sorrisos dóceis escondem uma ferocidade
implacável quando necessário.
O
filme se arrasta, não apresenta conflitos (leia-se: reviravoltas que mudem os
rumos da narrativa) durante aproximadamente 140 minutos, e gira em círculos ao
pular de personagem em personagem, os três separados em subtramas paralelas
durante a quase integralidade da história.
Talvez
esta estratégia seja inteligentíssima, por romper com a estrutura clássica
narrativa e evitar o fetiche da violência que se esperaria do cineasta. Talvez
ela seja apenas autoindulgente, como se o diretor dissesse filme após filme que
não precisa provar nada a ninguém, agradar quem quer que seja.
Tarantino
constrói uma introdução de duas horas de duração porque pode fazê-lo, e esta
liberdade autoral constitui tanto uma arrogância quanto uma possibilidade real
de subversão. É uma pena que, neste caso, a subversão ocorra pelo recurso à
frustração. Antes, apenas a violência de Tarantino parecia inconsequente,
agora, toda a narrativa se comporta como se acontecesse apesar do
espectador.
O
diretor recompensa o espectador paciente, que testemunhou mais de duas horas de
uma monotonia impecavelmente produzida, através do gozo da violência. A cena,
muito bem orquestrada, desperta curiosidade sobre como seria o filme caso
houvesse mais cenas deste tipo, e se aparecessem mais cedo na história.
Tarantino
é senhor da linguagem e, portanto, um literata. Adoraria vê-lo em Oslo.
Até
breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário