O
que vai embora junto com João Gilberto, este sim um grandíssimo idiota?GENE
Esta
besta me fez amargar, certa vez no Palácio das Artes em BH para assistir a seu
showzinho desafinado, a cinquenta minutos de espera depois de ter soado por
três vezes a campainha indicando o início do espetáculo.
Lembro-me
bem quando ele entrou no palco. Sem pedir desculpas à plateia ruminou alguns
grunhidos para dizer por que atrasara. Acho que alegou o bater de asas de um
mosquito que alteraria o som de seus compassos.
Inesquecível
foi quando eu saí do teatro. Flanava ainda nos acordes, difícil saber se
ecoados das cordas do pinho ou das vocais da garganta de quem o tocava. Aquilo
é uma monstruosidade, pensava.
Zuza
Homem de Melo, historiador, me alcança: “o
canto intimista, a letra sintética, despojada, o emprego de acordes alterados
e, sobretudo, um extraordinário jogo rítmico entre o violão, a bateria e a voz
do cantor.”.
João
cortou o tempo. Bossou diferente, um novo que desconcerta, incomoda,
transforma. Desses sujeitos vadios, transgressores que nos tiram de um lugar
sabido, acostumado, conveniente.
Gilberto,
estranho ser, encontrou no tamborim um som peculiar que lhe percorria o ar dos
pulmões e lançava sobre o silêncio um recado aos corações, até dos desafinados
absurdos como o meu.
Há
tempos JG vivia arruinado, adoecido e sozinho em uma casa emprestada no Rio de
Janeiro. A tristeza que envolveu este artista em seus últimos anos parecia não
ter fim, como reza a música de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, os outros dois
pais da Bossa Nova.
Posso
imaginar as razões.
Outro
dia assistindo o canal Arte1 deparei com um documentário sobre Saudade,
belíssimo por sinal. Lá pelas tantas entra em cena um arquiteto entrevistado e
diz que esse negócio de dar valor ao passado não está com nada, o que importa é
o que está por vir.
Até
hoje engulo em seco essa declaração.
O
que vai embora com João Gilberto?
Um
muito de mim com certeza. Um tempo de renovação e esperança aguda, uma
juventude transviada, um acorde. Uma bossa.
Vai
junto com João um canto doce, moderado, fundo. Só melhor que o silêncio, como
disse Caetano.
Nos
deixa vazio um palco de soberba próprio apenas para a genialidade de imensos
poucos, desses que nos tornaram ainda que resistíssemos tanto, seres humanos um
pouco menos endurecidos e toscos.
Esse
texto me faz verter lágrimas, tão escassas hoje por estas razões. Juro que não
creio mais ser possível no porvir algo que venha a compor um tempo de Tom,
Vinicius e João. O mundo não tem e não terá ouvidos para um doce balanço a
caminho da delicadeza, mais afinado e menos ruidoso.
Voltou
a terra hoje um de seus melhores sumos.
Chega
de saudade.
Até
breve.
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