“A
vertigem é uma sensação de perder onde as coisas começam e onde elas terminam,
onde você está em relação ao mundo e onde o mundo está em relação a você.”
Petra Costa
“A Netflix está mudando drasticamente o mercado de
documentários no mundo, de uma forma muito positiva. Em que outro momento um
documentário brasileiro poderia ser visto em 190 países ao mesmo tempo? É algo
revolucionário, e eu me sinto muito privilegiada, especialmente, porque o tema
da crise da democracia dialoga com pessoas da Ásia e da Indonésia, da Austrália
até a Áustria e ao Uruguai. Acredito que não poderia ter uma plataforma melhor
para esse filme.”
“Esta é uma história que vai, pelo aspecto vertiginoso mesmo,
abrindo buracos pelo labirinto da história do Brasil”.
“Todos os aspectos dessa crise geraram um verdadeiro trauma
para muitas pessoas. O filme é uma tentativa de falar sobre esse trauma. Como
dizem, e o próprio Freud diz, o trauma é uma cicatriz na psique que gera uma
incapacidade de significar as coisas, que perde sua habilidade de criar
significados por conta da agressividade com que o evento invade sua psique.
Então o primeiro passo para recriar um trauma é recontar, por isso ele é uma
tentativa de recontar essa história.”
“Você pode concordar com essa leitura ou não, o que é
esperado. É a minha perspectiva, eu não tento ser categórica ou falar a
verdade, de forma alguma. A história é muito recente, por isso está aberta a
todos os seus espectros de interpretações. Mas esse movimento de escuta é o
primeiro passo para curar a polarização doentia em que a gente se encontra. O
meu maior aprendizado ao fazer esse filme foi me colocar nesse lugar de escuta,
e muitas questões que eu tinha foram abaladas neste processo. Espero que, quem
sabe, eu possa também estar atenta para isso.”
Estes são trechos de
entrevista com a cineasta Petra Costa que acaba de lançar seu emblemático
documentário Democracia em Vertigem, pela Netflix.
A diretora, roteirista e produtora levanta o ponto de encontro do
seu processo de construção: “Eu e a
democracia brasileira temos quase a mesma idade” e completa “eu achava que em
nossos 30 e poucos anos estaríamos pisando em terra firme”.
Esta ponte é soldada intensamente durante toda a narrativa. Desde
momentos em que a diretora menciona ser de uma família privilegiada, uma vez
que o seu avô é um dos fundadores da empreiteira Andrade Gutierrez (envolvida
no esquema de corrupção do Mensalão), assim como os seus pais tornaram-se
refugiados políticos durantes os anos de ditadura militar, e o nome “Petra” lhe
foi dado em homenagem a um amigo dos seus progenitores, morto durante o
período.
Com uma sequência de vídeos, a
história do documentário é montada. Uma seleção de mão cheia que apresenta
desde vídeos caseiros até entrevistas exclusivas com políticos brasileiros e a
mãe da narradora. Petra utiliza-se de exemplos fáceis para explicar o caos: sua
família e ela mesma, sempre apontando, quando necessário, seus posicionamentos.
Acho pouco provável que o filme
ocupe a cena do debate nacional. Ele é uma obra aberta. E, como tal, difícil
para ser assimilado pela boa maioria de espectadores que se darão ao trabalho
e, mesmo o interesse, de assisti-lo.
Reside aqui nosso drama maior:
não há espírito crítico. Talvez na Ásia, ou quem sabe, na Oceania.
Fui buscar em Gil, quando ele
foi perguntado sobre “vil situação” em sua letra Ok Ok Ok: “Parece consensual a percepção de que o ‘espírito do tempo’ se
manifesta, cada vez mais como um ‘espírito de porco’ (tomando emprestada uma
expressão popular pejorativa). As coisas vão de mal a pior, a descrença e
o desânimo se abatem sobre a multidão, as soluções se transformam em novos
problemas mais complexos, a tentação regressiva ganha cada vez mais espaço e a
queixa reverbera altissonante”.
“A tarefa historicamente atribuída aos formadores de opinião
(intelectuais, comunicadores, artistas e tais) de produzirem uma crítica
consistente da situação, fica ampliada exponencialmente. Somam-se a esses
setores os milhões de anônimos, num jogo alucinante de opiniões e
contra-opiniões nas redes sociais, como se houvéssemos chegado, afinal, à ‘Grande
Babel’.”
É que eu ando meio triste e
precisava saber das razões.
De novo, o Gil me acode: “Quanto mais aprendo, menos sei. Tenho que me
comprazer com a alternância natural entre o conforto do silêncio e do sono e o
cansaço da vigília e da espera. A cada dia, uma agonia. A cada noite, um sonho”.
Até breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário