“Não
ando de carro blindado porque eu tenho medo.”
Quem me disse essa frase foi Pedro, atendente da recepção do Hotel da Baixa, em
Lisboa, cidade de onde me despedi ontem, pela manhã, com um misto de tristeza e
satisfação.
Tristeza
por deixar o Velho Mundo, que sempre me arrebata e, satisfação, por tê-lo
aproveitado durante os últimos quinze dias de maneira intensa e profunda.
A
frase dita por Pedro, na verdade, é de Ricardo Araújo Pereira, um português
que, para o atendente, é inteligentíssimo “apesar
de humorista”.
Passeei,
literalmente, por Amsterdam e arredores, Porto, Guimarães, Régua, Tua, Aveiro e
Lisboa. Tropeçamos, a cada quarteirão, em patrimônios culturais inestimáveis da
Humanidade. Tesouros datados de mais de dois mil anos antes de Cristo até o
presente. É de tirar o fôlego.
A
Casa Museu de Anne Frank, o Rijskmuseum, o Distrito da Luz Vermelha (com a
exposição de suas garotas tristes), o Museu Hermitage, o Museu de Van Gogh, os
inúmeros canais, em Amsterdam.
A
Ponte Dom Luis I, o Museu de Arqueologia da cidade, a Vila Nova de Gaia, a
Estação (de comboios) São Bento, a Casa da Música (caramba!), a Livraria Lello
(quiquiéaquilo!), caves e caves e caves, e naturalmente o Rio Douro, em Porto.
A vila de pescadores em Aveiro com suas casas pintadas com listas coloridas de
um alegre sem tamanho.
Em
Lisboa, o Museu da Fundação Calouse Kulbenkian, a Casa Museu do poeta Fernando
Pessoa (ai, meu gisus), a Casa do Bico do Nobel José Saramago, o Museu do Fado.
Além
de todos os “sítios” citados, as cidades em si são de uma beleza estonteante
que, a mim, encantam e me remetem a reflexões.
Talvez
por isto eu goste tanto de estar por estas bandas. O Velho Mundo.
Na
última noite em Lisboa, para coroar o privilégio de ter vivido esses dias,
assisti (de camarote) no grande teatro do Centro Cultural de Belém, ao show
impagável do fadista Camané. Fui ouvi-lo movido por um documentário curto que
assisti no Museu do Fado. Diferentes fadistas consagrados pelo mundo, entre
eles Carminho, Mariza e muitos outros e, para o meu espanto e admiração, Ivan
Lins, tecem considerações sobre aquilo que mais caracteriza a esse país a que
devemos tanto e, com toda certeza, nos deve em maior e certa medida.
Entre
uma canção e outra, Camané disse que quando jovem o criticavam por ter
escolhido algo que está por desaparecer. E ele respondia àqueles que o
criticavam com a própria razão revolucionária de ser do Fado: a resistência a
ser distinto.
Algo
muito próprio, particular, visceral, que por nenhum outro se identifica, que o
marca. Ivan Lins, por sua vez, no documentário diz que fez inúmeras tentativas
de interpretar composições de Fado feitas por ele, mas jamais conseguiu como
seus amigos portugueses.
Ao
longo de toda viagem, no entanto, não consegui deixar de pensar o Brasil,
nossas atuais circunstâncias. Esses dias valeram-me, sobretudo para pensar o
momento trágico por que passamos.
“Estamos
num tempo a que chamamos de pensamento único, embora pareça que se aproxima
muito perigosamente de um pensamento zero.” A frase dita por
Saramago em entrevista ao jornal La Jornada, México, em 10 de outubro de 1998,
confere uma atualidade brasileira acachapante.
Não
há nada a pensar senão no fosso profundo em que nos metemos entre,
supostamente, dois polos que se digladiam vitimados por uma surdez demoníaca.
Em
Portugal nomeiam o nosso segundo turno eleitoral como “segunda volta”. Triste e
emblemática constatação. Estamos a decidir para onde “voltarmos”.
“A
Humanidade nunca foi educada para a paz, mas sim para a guerra e para o
conflito. O outro é sempre potencialmente o inimigo. Levamos milhões e milhares
de anos nisto.” Saramago ao El Diário
Vasco. Embora, por enquanto única, a morte por assassinato do artista baiano, é
simbólica.
Parece
adentrarmos a miséria do obscurantismo, violentados pela cegueira da verdade
única.
NÃO!
Há que se dizer NÃO.
“Há
que introduzir um não para enfrentar o sim, que é o consenso hipócrita em que
mais ou menos estamos a viver.” Saramago
à Revista Três, Montevidéu, em 1988.
A
realidade não nos obriga a escolher entre dois turnos, duas voltas, duas
aberrações.
“Eu
creio que estamos necessitados, efetivamente, de uma insurreição. Sim, uma
insurreição, uma insurreição ÉTICA, mas não no sentido corrente, moralizador,
porque no fundo seria ir pelo mesmo caminho. Eu diria, antes, uma Ética da
responsabilidade.” Saramago, Revista
Magna Tierra, Guatemala.
Covarde,
por ser originalmente romântica, minha disposição era de não comparecer também
ao segundo turno ou segunda volta. Mas vou votar. Eu preciso assumir o dever de
estar vivo. E o faço dizendo um não rotundo a tudo isto o que está posto.
Há
uma obra exposta no Museu da Fundação Caloute Kulbenkian em Lisboa que me
fascinou porque deu conta: “Alternativas para um plano de fuga” (fotos), feita
pelo artista Jaime Nolasco usando a porta de seu ateliê.
“Eu
acredito e respeito as crenças de todo o mundo, mas gostaria que as crenças de
todo o mundo fossem capazes de respeitar as crenças de todo o mundo.” Saramago, Magna Tierra, Guatemala.
Até
breve.
OBSERVAÇÃO: Não gosto, mas vou dizer, o título remete à José Saramago que disse as "cousas" aqui citadas em 1998.
Agulhô, tenho muitas dúvidas se o votar será caminho para o voltar. Além do mais, "esse caminho que eu mesmo escolhi é tão fácil seguir, por não ter aonde ir", disse o Raul Seixas. E como defende Eduardo Galeano: "A utopia é um horizonte. A gente caminha dez passos em sua direção, o horizonte recua dez...". Para quê buscar a utopia então? Para caminharmos". Abraço amigo e de admirador.
ResponderExcluirSão sempre as dúvidas que nos remetem à esclarecimentos. Muito obrigado, Julinho.
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