quarta-feira, 23 de maio de 2018

INPERFECTOS





Eu, por mim, não diria. Amigos não virtuais é que cobraram que eu o fizesse. Estou solidário a eles, então digo.

Aconteceu no dia seguinte àquele em que eu tinha escrito um romance de 354 páginas. Ouvi dizer que um homem havia pulado da janela de seu apartamento no 15º andar, como fazia diariamente pela manhã, para o apartamento de seu amante morador do 14º.

Lamentável ou destinodesatradamente o amante esqueceu-se de abrir a janela. O do 15º precipitou-se abismo urbano abaixo e estatelou-se ao solo de barriga para cima e os olhos esbugalhados.

O amante abriu a janela e, quando viu seu amado estatelado ao solo com os olhos esbugalhados como se o crispassem, teve a nítida impressão de que aquele que jazia teria dito antes do juízo final:

- Filho de uma puta!!!

Eu não presenciei a cena, ouvi dizer de populares que a viram e comentaram nas esquinas pelas quais passei para ir ao banco pagar aqueles dois boletos. Um da operadora de TV paga, que logo voltou a transmitir o sinal e o outro que lembrei agorinha, o da operadora de saúde.

Eu mesmo uso pouco para emergências, quase sempre para exames regulares por força de uma cirurgia que extirpou uma dessas partes deste meu corpicho cujas funções têm que ser preenchidas pela química farmacêutica.

Geralmente fico sempre horrorizado com essas coisas, mas fazer o quê, multinacionais podem sempre tudo. Carteis que operam milagres nos marcos regulatórios bancados em dólares da melhor qualidade.

Está variando entre R$3,65 a R$3,75, sujeito à confirmação nos institutos de maior credibilidade, então não é hora de programar nada que envolva a moeda. Turismo externo, nem pensar.

Gostei mais da Dinamarca do que de Cuzco, ou foi ao contrário. Tem horas que tendo viajado tanto misturo paisagens, guias, jantares, torres e fotos.

Teve uma dessas que eu fui de camisa azul. Aconteceu inadvertidamente, avoado que sou. O time adversário usava preto e, caramba, só pelos olhares da vizinhança da arquibancada um pouco mais ríspidos do que eu estou acostumado é que vim perceber que algo estava errado. O quê que aqueles caras estavam fazendo naquela parte reservada do estádio.

Taí uma coisa que de jeito nenhum tolero. Intrigas, maledicências. Quase sempre me reúno com amigos que, com a maior lisura, escolhem a dedo os seus alvos. Teve um, dos mais queridos, que criou uma confraria: Quinta dos Infernos. Toda quinta-feira reuníamos, sim porque ela não passou da segunda sessão, para meter o pau nos outros. Um dos presentes começou a meter o pau em nós mesmos que fazíamos parte da confraria. Pode algo pior?

Se bem que não, gosto mesmo é de mulheres, de certos tipos, idade, cabelos, olhos e boca. Alguns pensam que eu sou mesmo afrescalhado, mas faço por puro charme, lanço olhares esquizos, como se não estivesse nem aí. Adoro voz.

Eu disse que diria. Não sei se esqueci de alguma coisa. Amanhã se amanhecer quinta-feira, na confraria vão meter o pau em mim.

Eu, por mim, num tô nem aí. Eu paguei o meu boleto e assisti ao filme muito doido: PERFECTOS DESCONOCIDOS.

Ótimo, estou tranquilo. Paguei o meu boleto do plano de saúde. 

Chá de aeroporto dá nisso.


Até breve. 

domingo, 20 de maio de 2018

PERFECTO





Outro dia escrevi um romance de 354 páginas de que gostei muito.

Foi assim. Eu tava meio com muito sono, só que era de dia, então não fazia cabimento. Eu faço o quê com esse sono? Pensei eu, cá com os meus problemas.

Já sei. Vou sonhar, mesmo que acordado.

Foi quando sentei diante de meu computador e desandei a digitar umas primeiras frases. Quando se dei por mim, já era tarde da noite, meio de madrugada e eu senti que era por fome e sede e vontade de ir ao banheiro para sólido e líquido.

Fui lá e já voltei e desgramei a escrever sei lá com quê coerência e/ou consistência.

De verdade, na passagem pela cozinha, peguei duas maças vermelhas na geladeira e um yogurt de morango. As teclas do computador ficaram ensebadas do sumo da maça, mas eu, excepcionalmente, não derramei nem uma gota de yogurt em canto algum.

Já era do outro dia e eu ali, com as costas doídas e os dedos meio que inchados e cento e dez páginas, arial, fonte 12, formato A4 inteiras.

De repente, parei. Levantei-me de um salto e me pus a pensar que eu era meio doido. Quem faz isso e desse jeito? Só um tomado de espírito, psicografando.

Eu não. Nunca deixei que ninguém montasse em mim.

Fui à cidade, paguei dois boletos. Um da televisão a cabo e o outro não sei bem de quê, só sei que teve juros e correção monetária. Eu costumo atrasar os pagamentos, quando tenho dinheiro. Quando não tenho, não pago.

Liguei para a operadora para perguntar quando que voltaria o sinal se eu já tinha pagado o boleto e que estava em dia. Eu não me lembro do que a atendente disse, só que quando liguei a TV tava tranquilo. Tinha voltado a funcionar toda a programação.

Assisti, na Netflix, a dois filmes: PERFECTOS DESCONOCIDOS, espanhol, bom as pampa.

Uma comédia dramática sobre um grupo de amigos que, em um jantar, resolvem fazer o jogo do celular sobre a mesa. A regra é simples. Tocando o celular o dono tem que atender e dar curso à conversa.

O que pinta só vendo o filme, que eu tinha que escrever mais umas duzentas e tantas páginas para concluir o romance.

Ah, o outro filme. Uma porcaria com aquele cara que fez O PIANO. Fosse por este eu devia de não ter pagado o boleto.

Depois, fui dormir.

Será que alguém acreditou nessa conversa?


ATÉ BREVE.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

TREM





Recebi hoje uma provocação dilacerante.

O que é amor intenso?

De onde vem a ideia de alguém que, por cargas d’água que sejam, possa acreditar que eu tenha algo a dizer sobre.

Fosse poeta, comporia, porque a poesia pode tudo.

Fosse escritor, narraria, no plano do intelecto tudo racionalizaria ainda que em romance, ficção mesmo que absurda.

Fosse filósofo, deliraria, viajando na maionese.

Ou fosse eu, quem sou, um sujeito qualquer que não consegue viver sem estar na condição proposta pela questão formulada.

Eu sei lá o que é isto. Eu só sei que, em não sabendo, sinto. E de tal sorte fundo que tenho para mim que só pode ser da minha natureza, disso que suponho, andam tentando dizer de humano.

A coisa toma conta assim dos pensamentos, das interpretações, dessas faculdades todas, mas é no estômago, creio, que ela se dá por inteiro.

Visceralmente quando na ausência, uns trem que dizem nomeado só em português não lusitano: saudade.

A falta do ser objeto dói. Outro trem que para você explicar tem que recorrer à poesia, à prosa, à filosofia. Melhor não. Sentir, que é de bão.

Na presença, aí é que o bicho cresce. Começa pela via dos olhos, dão uns estremecimentos das musculaturas, uns tremeleques, uns incômodos, umas ardências, que eu até ousaria dizer de uma gostosura assim indizível.

Aí se se põem as mãos, meus deuses, elétrons puros e incandescentes. Mãos nas mãos, mãos nos cabelos, no rosto e aí imagine meu desavisado leitor, imagine por onde andarão essas mãos todas e com que brandura, cuidado e acuidade.

Quando a boca é convidada, caramba (!), proferir palavras alvoraçantes, dessas que pelo som embalam. Os lábios em lábios, em rostos, em pescoços, em tantos quantos forem os sentires, os pedires em gemidos quase que de sempre.

Depois, ou não necessariamente nessa ordem, o estômago. Deve derivar daí a ideia de que a tradução se dá conta: “Eu quero te comer!”.

Apropriar-se do outro, engoli-lo, possuí-lo, toma-lo para si, antropofagicamente. Comer-se do outro.

Daí em diante é tudo que se deve mesmo proibir desde sempre. Perigo imanente de sentir a maior expressão do que é, essencialmente, humano: o prazer.

Assim: inteiro, entregue, fundo, de propósito, intenso.

A Psicanálise nomeia como pulsão.

De vida.


Até breve.