Assistir
à ELLE, filme de Paul Verhoeven, assemelha-se a um soco na boca do estômago.
Uma fisgada na vertebra, uma torcida de tornozelo no último degrau da escada, a
perda de alguém muito próximo...
Uma
dor e profunda.
Michèle,
a protagonista, vivida pela diva Isabelle Huppert, é a personificação do
contemporâneo. Ao longo de toda a trama ela é exposta a diversas situações e
reage a todas a partir de um traço de conduta absolutamente consistente.
Michèle
é a Amoralidade.
Amoral
é aquilo que está fora da moral, ou seja, é aquilo que é neutro no que se
refere à Ética. Em um sentido prático, um indivíduo amoral vive sem as
condições subjetivas exigidas para que os seus atos ou juízos sejam morais.
Nada
que lhe sucede encontra paradigma em algum código moral. Ele é imune a
parâmetros que constituem o civilizatório. No filme, o sexo, o trabalho, o amor
e a família são vistos como formas de organização perversas em si. Questiona
toda forma de dominação, culminando no exemplo de violência sexual.
Os
personagens são tomados por seus desejos, e Verhoeven permite que saiam impunes
de gestos socialmente inaceitáveis.
A
dor a que fui submetido não deriva da narrativa em si, mas daquilo que a
interpretação do filme a mim remeteu. O contemporâneo nos expõe a sinais cada vez
mais evidentes de que nosso código moral esgarçou, perdeu consistência e nexo. Não
há Moral referente, portanto.
Toda
análise dos atores sociais está prejudicada sob a perspectiva de algum marco
ético norteador. É tola a crítica fundada em qualquer parâmetro. Não há
parâmetro.
Tudo
pode.
Não
há escândalo, nem crime. A aparente ordem ambulante contém em suas vísceras a
perversão que nenhuma máscara encobre.
Nosso
juízo sobre o Juízo, nossa expectativa quanto à Política, nossa compreensão e
compromisso com o afeto, nossa concepção como sujeitos da Cultura estão em
frangalhos.
Nem
a Arte se salva e nem salva.
Preferia
não ter assistido à ELLE e ter me poupado da dor.
A
realidade sem máscaras é desesperadora.
O
título do filme, o feminino, é a pá de cal.
Até
breve.
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