Recebemos ontem, para almoço, em
nossa casa de Santa Luzia um grupo de familiares e amigos próximos.
Em dado momento, um dos presentes disse,
apontando para a escultura da foto:
- Agulhô, você precisa tirar isto
daí... É politicamente incorreto. Ou então pintá-la de branco...
Contratei seu Divino logo que
adquirimos o terreno, há mais de vinte cinco anos. Ele ficou conosco durante
quinze, nos quais foi responsável pela arquitetura e execução de todos os
jardins, pomares e hortas impregnados por um toque de seu nome.
Pouco mais de treze anos atrás ele
me pediu que eu dissesse ao encarregado pela construção de nossa casa para que
contratasse seus filhos: João (pedreiro), Geraldo e “Pior” como ajudantes.
Assim aconteceu. Logo que eles
chegaram para trabalhar e foram apresentados, minha esposa quis saber por que “Pior”.
- Seu nome não é esse...
- É apelido de criança... Eu não
jogava bola bem...
- Qual seu nome, menino?
- Joselone.
- Pois aqui na nossa casa ninguém
vai chama-lo de “Pior”.
Próximo de terminar a obra seu
Divino nos disse que estava cansado e que gostaria de se aposentar e nos pediu
que ficasse com Joselone em seu lugar.
Desde então, Joselone está conosco
mantendo com o mesmo carinho, dedicação e empenho o que o seu pai deixou
divino. Mas com ele trouxe Kátia, sua esposa pedindo que ela fosse contratada
para cuidar da casa e da cozinha.
Minha esposa disse a eles que
aceitava ficar com ela somente se ela voltasse a estudar pelo que receberia de
nós alguma ajuda. Na ocasião fui conhecer onde eles moravam junto com duas
filhas pequenas.
Era um espaço de pouco mais de
quatro metros quadrados em um porão úmido e sem janelas com uma abertura que
servia de entrada tapada à noite por uma folha de compensado, refugo de obra.
Cozinhavam em dois blocos de cimento superpostos e as paredes do cômodo estavam
impregnadas de fuligem.
Samara, sua filha mais velha ficou
com sequelas nos olhos, por força das circunstâncias.
Conversamos com ambos e combinamos
que eles construiriam também a sua casa. No ano que vem eles terminam de
paga-la. Uma casa de 103m² com sala, banheiro social, suíte, dois quartos e
cozinha. De laje, com cercas vivas. Pintada de um verde sem tamanho.
Ao longo desses anos todos,
Joselone e Kátia nos ajudaram a manter nossa casa um lugar agradável por estar.
Sentam-se conosco à mesa em todas as refeições, mesmo quando eventualmente somos
visitados por algumas pessoas que se sentem um pouco incomodadas com a presença
de ambos.
Em contrapartida pudemos
recompensá-los também com algo menos relevantes como móveis, eletrodomésticos,
roupas e um sem número de outros agradecimentos. No último dia 21, nasceu Lucas
Antônio, filho de Verônica. Joselone e Kátia estão transtornados de alegria pela
chegada do netinho e levaram de nós o berço em que dormiram todos os meus
quatro netos e a poltrona em que sentaram minha filha e minha nora para amamenta-los.
Kátia fez o primeiro grau, o
segundo grau, o vestibular e hoje está cursando a Faculdade de Pedagogia. Hoje
ela ainda continua conosco, mas faz estágio em escolas e vem se aplicando em
concursos para professora.
Joselone, de quando em vez, diz que
o valor que eu descontei mensalmente sem juros do salário dele representa hoje
a metade do que estão vendendo lotes nas suas redondezas e a casa vale hoje
quase dez vezes o valor que foi gasto.
- E foi eu quem fiz e foi em quem
pagou, né Agulhô?
Pois é, o comentário feito
ontem me despertou para algo para o qual eu não estava atento. Todos os presos e ainda
investigados na operação Lava Jato, nenhum deles tem a cor de seu Divino, João,
Geraldo, Kátia, Samara, Verônica e também Lucas Antônio.
Penso se eu consulta-los se
gostariam de ter outra pele revestindo os seus corpos eles responderiam singelamente que não. Não gostariam de viver a vergonha de serem brancos.
Até breve.
Prof. Agulhô, procurando por seus contatos deparei-me com o seu blog, com as histórias que minha família repete como aquela apresentada aos participantes do Projeto Jovem AIC. Sr Penícia que era amigo do seu pai... Li o texto "Fuligem" e tenho clareza de perceber os objetivos, o sentimento, a humanidade, a regra de outro de fazer àqueles o que gostaríamos que fizessem conosco. Um testemunho cheio de valores e ética pelo bem comum...Grande abraço, M. Vinicius do Nascimento
ResponderExcluirMarcos, que prazer receber seu comentário. Tenho as melhores lembranças do Projeto AIC. Grande abraço e muito obrigado.
ExcluirEu também tenho as melhores lembranças do Projeto Jovem AIC... Em tempo, iniciamos o planejamento para realizar mais um evento com jovens de 16 a 20 anos. Enviei um mensagem via linkedin para convidá-lo para o encontro deste ano, previsto inicialmente para o dia 25/11 próximo, no mesmo auditório da Cemig (data a ser confirmada pela AIC). Vou ler os outros posts assim que for possível. Abraço
ExcluirNão consegui acessar sua mensagem no Linkedin. Gentileza enviar para o email agulhojr@gmail.com
ExcluirGostei dos filmes indicados também!! Revi há pouco tempo o Amistad do Stephen Spielberg, com insights novos sobre a passagem tempo e sobre a importancia dos nossos antepassados!! Foi como se não tivesse assistido antes! Outro tempo, outra demanda, outra realidade... Como saber??
ResponderExcluir*La Amistad - Steven Spielberg
ResponderExcluirSão histórias assim que nos fazem acreditar na possibilidade de viver a solidariedade, até que tenhamos uma sociedade igualitária
ResponderExcluirSim, Claudinete. Muito obrigado pelo comentário.
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