Se me perguntassem hoje quais os
três melhores filmes que eu assisti ao longo de toda a minha vida, teria que
citar quatro. Aqui no meu perfil do dasletra
você encontrará três deles: Cinema Paradiso, Era uma vez na América e O
Carteiro e o Poeta.
O Cidadão ilustre é o quarto que
citaria e que assisti ontem no cinema.
Andrés Duprat, o roteirista, disse
em entrevista: – “Não somos estreantes e
quem conhece nosso trabalho, sabe que nunca foi nosso ideal entregar os filmes
prontos para o público. Sabe? Aquela coisa cômoda, a história com começo, meio
e conclusão? É muito mais interessante e desafiador criar com o público, levar
o espectador a participar de uma maneira mais ativa.”.
O filme, da extraordinária safra
argentina, dirigido por Mariano Cohn e Gastón Duprat, tem, no papel de
protagonista, o vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Veneza, Oscar
Martínez (Ninho vazio) interpretando o renomado escritor Daniel
Mantovani.
A Argentina teve um grande escritor
cosmopolita – Jorge Luís Borges – que não logrou, como gostaria, o Nobel. Um
provinciano, mesmo universal, como Mantovani, chega lá na ficção. Ironia…?
A primeira cena do filme revela a
entrega do Prêmio Nobel de Literatura ao escritor Daniel Mantovani, argentino
radicado na Europa há quarenta anos.
Com uma câmera documental
registrando o momento, Daniel sobe ao palco e, em seu discurso, agradece
dizendo que também lamenta o recebimento do prêmio por ele significar o
"fim de sua aventura criativa". “Tenho
a convicção de que este tipo de reconhecimento unânime está relacionado direta
e inequivocamente com o declínio do artista.” “A canonização é fatal”,
conclui.
Uma vez tendo ganhado o prêmio ele
fica cinco anos sem escrever e se nega a participar de todos os eventos para o
qual é convidado em diversas partes do mundo. Exceto a um: de sua cidade natal,
Salas, que fica 7 km distantes da capital Buenos Aires.
Inicialmente ele hesita em aceitar,
mas acaba aceitando o convite para ir a Salas e lá receber o prêmio de cidadão
ilustre, em parte por saudosismo e muito pela vaidade de ser o filho pródigo
louvado pelos seus. Sua jornada começa a partir dai retornando ao local que
havia deixado há quarenta anos.
Por mais que Salas seja fonte de
inspiração de todos os seus trabalhos, Daniel possui um profundo desprezo pela
região graças às suas peculiaridades interioranas, muito distantes do lado
cosmopolita da Europa.
Raduan Nassar, em seu Lavoura
Arcaica, escreveu: “Não importa para onde
vamos, estamos sempre voltando para casa.”.
O filme nos remete à questão
ficcional: toda a verdade é fruto de uma interpretação, no entanto, impossível
safar-se do destino.
O seu lugar é o seu lugar.
Salas, que pode ser lida de trás
para frente, ambienta toda a miséria humana que vem à luz. Costumes sociais e
culturais, idiossincrasias, chauvinismo, mediocridade, ignorância, barbarismo,
violência, dogmatismo da pior espécie, fanatismo ideológico, hipocrisia
política e, também, docilidade de pessoas que se deixam governar e manejar para
um lado e para outro.
Li algumas críticas ao filme e me
surpreendi em que gênero ele foi classificado: Comédia.
Nem Dante Alighieri explica.
Até breve.
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