quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

CORO




998. Novecentos e noventa e oito.

Analistas zodiquianos, ou serão analistas horoscopianos, ou analistas astrais ou austrais, seja quem for, elencam entre as características que eu carrego por força da data em que nasci: trata-se de uma pessoa pouco determinada, não perseverante.

Vocês não são capazes de imaginar quanto para mim tem sido dasletrar. Para chegar a mil posts, o que pretendo fazer agora dia 27 (terça-feira), dia em que comemoro o 65º ano do meu nascimento, está sendo lavrar uma pedreira à unha.

E olhe que eu já cheguei a pensar em ganhar o Nobel se examinassem minha obra, não toda ela, claro. Alguns textos eu deveria deletar, sobretudo os considerados melhores segundo a avaliação dos meus dezessete leitores.

Garimpando na web assunto para gerar um post de impacto na data, fiz uma pesquisa (mais rasa impossível) do que teria acontecido naquela quarta-feira de Cinzas do início da segunda metade do último século do milênio passado.

Nada, foi o resultado da pesquisa. Estavam todos de porre, pierrôs e colombinas. Os principais jornais do país não circularam naquele dia. Não havia nenhuma notícia que justificasse sequer uma edição extra.

No plano internacional encontrei apenas o registro da realização da primeira reunião na sede das Nações Unidas no prédio que se inaugurava em Nova Iorque. Mais nada. Não aconteceu nada naquele dia. Nada.

De lá prá cá, ao longo destes anos todos, a gente viu muita coisa acontecer. Aliás, a propósito, me deixe voltar a um assunto aqui. Há três categorias de pessoas: aquelas que estão fazendo as coisas acontecerem, aquelas que observam àquelas que estão fazendo as coisas acontecerem, e, aquelas que não estão entendendo nada.

Passei a vida inteira, até aqui, na segunda categoria, eu acho, embora na maioria das vezes me sinta na terceira. Enquanto na primeira, a única coisa relevante que fiz foi três filhos e, até agora, quatro netos, estes não diretamente, é claro.

Estimo que haja hoje no planeta 7.789.325.000 pessoas vivas. 7.241.288.456 pertencem à terceira categoria, ou seja, são pessoas que não estão entendendo nada. Faço parte, portando, das 547.836.000 pessoas que observam ou urubuservam as demais 200.544 pessoas que estão fazendo as coisas acontecerem.

Dois comentários. Confiram, por favor, as contas. É que eu as fiz em uma calculadora que me chegou ontem via correio junto a um boleto de contribuição de instituição filantrópica. Temo que a calculadora também não seja confiável.

Segundo comentário. Claro que ninguém é capaz de acompanhar mais de duzentas mil pessoas que estão fazendo as coisas acontecerem. Daí o desespero. Embora muita gente ache que uns ratos surubentes de palácios precisem ser urubuservados, porque derivará deles toda a tragédia.

A um post do milésimo quis voltar à insignificância de uma vida, a minha. Hoje tão ou mais irrelevante que as reuniões realizadas em determinada organização que se instalou também em 27 de fevereiro de 1952.

Lembrei-me, talvez por isto, de um cartaz afixado em um mural de uma igreja que visitei em Lisboa: “O coro dos maiores de sessenta anos vai ser suspenso durante o verão, com o agradecimento de toda a paróquia”.



Até breve.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

VOLANDO



Minha tia Modesta (irmã de meu pai) legou-me, antes de falecer, alguns escritos em que ela relata a saga da família Lopez Agullò, imigrantes da Espanha para o Brasil, passando antes pela Argentina, onde meu pai nasceu e outra tia, Paquita.

Fiz alguns registros aqui em SEIVA e SEIVA I.

Belo dia desses recebo uma mensagem de WhatsApp. Uma prima estava montando um grupo: Família Lopez. Logo em seguida outra mensagem: “Faremos um encontro dia 14/02 na casa da mamãe. Você está convidado”.

Pois é, foi ontem.

Não conheci minha avó Manoela, mas durante todo o tempo do encontro fiquei pensando nos escritos de minha tia. No texto, em várias das passagens relatadas, tia Modesta deixa transparecer o desejo de minha avó de um dia retornar à Espanha.

VOY POR EL MUNDO

Voy por el mundo, siempre cantando
Como las golondrinas, que van volando
Ai me dá pena estar lejos de tu vera
El sitio donde reposo el cuerpo de mi morena.

Jo soñaba a veces, já a veces soñaba
De ver que mi madre de mi se acordaba.

Ai me dá pena estar lejos de tu vera
El sitio donde reposa el cuerpo de mi morena.

Voy por el mundo siempre cantando
Como las golondrinas que van volando.

Era uma das canções que mais minha avó cantarolava.

Ontem, Marcelo e Chiquinho, meus primos, tomaram do violão e nos brindaram com a veia Manoelesca. E, em seguida, Daniel neto de meu tio Evaristo assumiu as cordas do pinho.

Antes de explicitar seu prodígio, em espanhol, francês e inglês, quis fazer a todos saber de algo que estava acontecendo e que era muito importante para ele.

Falou que por força de sua carreira profissional esteve sempre longe de sua esposa e de suas duas filhas. E que depois destes anos todos foi surpreendido pelo destino que o colocou diante de uma nova oportunidade profissional.

Daniel disse que está voltando às origens. Recebeu um convite para assumir a vice-presidência da empresa na qual trabalha. Em Madri, para onde está se transferindo com a esposa e as duas filhas no dia 01 de março.

Vá Daniel, como las golondrinas que van volando, e leve a alegria de todos, que estiveram no encontro, a el sitio donde reposo el cuerpo de mi morena.




Até breve.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

SÍNTESE




Bastasse a perversa distribuição da riqueza, mas não, somos capazes de produzir mais iniquidade.

Deixo de lado causa-efeito e penso que o tempo presente nos vitima com algo mais triste, ainda.

O flagelo das instituições que demarcam a sociedade. Escola, templo, caserna, palácio, família.

Em todos os países do mundo a educação tem sofrido pesadas críticas: não temos sido capazes de reproduzir conhecimento que garanta melhores tempos.

Afora arroubos fanáticos, a religião não tem conseguido ser porto seguro aos desesperados e nem freio aos excessos da besta.

Os exércitos continuam estando a serviço de comandos déspotas.

Os palácios abrigam a escória da vilania.

O lar deforma-se e não acoberta caminhos, saídas e nem esperanças objetivas.

A resultante a mim agonia.

Pudesse eu ficar livre, absolutamente, deste pensar, desta consciência. Alien e reduzir-me a um ser que opera a vida. Trabalha, come, bebe, relaciona-se (restritamente, quase solitário), vê o que passa, distrai-se. Ri.

Não tem, contudo, um segundo sequer que o espírito não determine o humor. Cáustico, a ponto de não ter cura o gástrico. O tubo de linguagem queima como fogo, ali onde moram as palavras.

Não raras as vezes que, antes de me sentar diante de laptops, venho com propostas de lenitivos. Deve existir algo de bom pelaí para o qual devemos voltar nosso olhar.

Só se for para os tempos vividos até os dez. Morresse na época e perguntado na porta da eternidade: e, aí companheiro, viver valeu? Jamais eu entenderia porque me tiraram do paraíso. Daí a passagem: Vinde à mim as criancinhas, porque delas é o reino dos céus.

Depois da infância não há humanidade.

Morrendo agora e perguntado na porta da eternidade: e aí, companheiro, viver valeu? Porque nos legaram tamanho inferno, quem sabe o porvir não seja para compreender as razões de tamanha aberração.

Em feverê tem carná,
Tenho um fusca e um violão,
Tenho uma nega chamada Teresa...
Sou um menino de mentalidade mediana (pois é)

Mas assim mesmo, feliz da vida
Pois eu não devo nada a ninguém
(pois é) pois eu sou feliz, muito feliz comigo mesmo
Sambaby, sambaby..

Pai afasta de mim este cálice.


Até breve.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

BROCA



Ontem travei breve debate no FB com dois grandes amigos com quem tive o privilégio de trabalhar na MBR. Tenho profundo respeito, admiração e, sobretudo, gratidão por ambos.

Não cito o nome deles aqui por não estar autorizado a fazê-lo. Um e outro, me parece, têm convicções ferrenhas e fundamentadas a propósito da política. Um petista roxo e outro, suponho, escolher como alternativa a intervenção militar.

O debate surgiu a partir da postagem, pelo petista, do vídeo abaixo:



Acordei de madrugada incomodado por ruminescências. Lembrei que na década de 80, dentro do rol de minhas responsabilidades profissionais, estava a negociação trabalhista.

Por força disto me envolvi (inúmeras oportunidades) em palestras, seminários, congressos, mesas de debate versando sobre o tema mais do que palpitante da época. Eu havia vivido a greve ocorrida na FIAT em 1978 e estava hipersensibilizado, como sempre, com o que acontecia ao meu redor.

O Brasil vivia a passagem da redentora de 64 para a distensão e redemocratização e tinha, nas relações entre capital e trabalho, o ambiente mais acalorado.

Na época visitei, em duas ou três oportunidades o Instituto Cajamar, que viria a ser a Universidade do Trabalhador e que tinha como Reitor ou Patrono ninguém menos do que o extraordinário educador, Paulo Freire.

Lembro-me que em uma das palestras que assisti feita por Paulo meu coração não se continha, dada a clareza, o brilhantismo e a contundência do discurso do autor de A Pedagogia do Oprimido, livro que me levava às lágrimas.

Entre tantos eventos lembrei-me de um dos congressos brasileiros de que participei levado pelo querido e saudoso amigo Dr. Dráusio Rangel, iminente e famoso negociador pelo lado patronal da indústria automobilística.

Eu estava na MBR e dividi um dos painéis do congresso com um amigo contemporâneo na FIAT, o Osmani então Diretor de Relações do Trabalho na montadora, Vicentinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Jacques Wagner, presidente do Sindicato dos Petroleiros da Bahia. Eu e Osmani pelos patrões e Vicentinho e Jacques Wagner pelos trabalhadores, moderados pelo Dr. Dráusio.

O congresso teve duas palestras magnas: a de abertura, feita pelo sociólogo e então Senador da República Fernando Henrique Cardoso e a de encerramento, feta pelo sindicalista e então recém-criador do Partido dos Trabalhadores e potencial candidato à Presidência da República, Lula.

Nos bastidores do Congresso, os palestrantes e panelistas tiveram oportunidade de trocar opiniões, experiências, posições políticas, mas todos garantiam estar ali para dar sua contribuição na elaboração e adoção de práticas e políticas que pudessem vir a melhorar a relação entre empresas e seus trabalhadores com vistas ao aumento da produtividade e ao desenvolvimento do país.

Dráusio faleceu. Vicentinho foi prefeito e hoje é deputado. Osmani cruzei com ele recentemente em um shopping. Jacques Wagner se lambuzou.

Fernando Henrique foi Presidente da República e hoje é intermediário de megainvestidores internacionais. Lula foi Presidente da República e recentemente adquiriu pedalinhos para seus netos.

De Paulo Freire ninguém mais fala e nem ouve.

Eu? Perdi minhas ilusões.



Até breve. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

CHAPLINICE



Vlad me passou um livro prá ler. “Seu estilo parece com o dele, pai. Você vai gostar”. Interessante que Pretinha foi quem deu o livro de presente de aniversário ao irmão.

A Lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho, tendo sido editado pela primeira vez em 1956. A apresentação do livro em edição de 2016, portanto sessenta anos depois de sua primeira publicação, contempla comentário de Noel Arantes, do qual extraí o trecho:

“Esta obra-prima da literatura brasileira ousou ser diferente num momento em que ser diferente era muito mais difícil. Surrealismo, humor, nonsense, rebeldia, combate à hipocrisia e ao establisment são seus principais ingredientes. Campos de Carvalho não transgrediu um milímetro no propósito de aliar a um profundo sentimento humanista a implacável lucidez de quem desconfia e sabe que o mundo se finge de sério.”

Na Wikipedia encontrei declaração de Carvalho: “Sou eternamente grato a um crítico que certa vez me chamou de clown (nem a minha própria mãe me chamou assim) — como sou grato aos que me chamaram de palhaço com segundas intenções ou mesmo com terceiras. Antes de morrer ainda hei de armar o meu pavilhão auricular, isto é, dourado, em todas as praças do mundo e dele partir como um bólido rumo a todas as constelações, pregando a hilaridade e a língua de fora à boa maneira de Einstein e dos enforcados.”

De A Lua vem da Ásia, extraio um fragmento: “A caminho do hotel, percebo que a mulher manca horrivelmente da perna esquerda e que é muito mais feia do que eu pensava, além de ter um hálito capaz de provocar verdadeira guerra bacteriológica num raio de dez quilômetros. Mas, como lírico e ainda não tenha vomitado toda a minha alma, levo-a assim mesmo para o quarto e ali a possuo por três vezes seguidas – duas por minha conta e uma em nome de meu irmão gêmeo e sepulto em mim – o que a faz lamentar ser tão pequena a minha família e tão avaro o meu espírito de fraternidade”.

Ocorre que, como de hábito, li o Oscar Quiroga no Estadão. Para o meu signo de hoje ele sugere:

ABANDONA A REVOLTA

Revoltar-te contra o que te oprime, apesar de ser uma atitude legítima, tu precisas reduzir o tempo existencial que dedicas a essa atitude, pois, isso te amarra a referências feitas pessoas, instituições e demais abstrações e, nessa condição de dependência mutua, um dia te descobrirás apreciando a opressão, já que tua existência seria definida pela oposição que a ela fazes. Então, agora deixa tua amada revolta de lado, ela é uma amante indigna e ciumenta, te quer só para ela, te quer desperdiçando o precioso tempo existencial na dinâmica de oposição. Então, agora começa a usar a mesma energia que antes gastavas na oposição para te aproximar com firmeza a tudo que anseias experimentar e que supostamente não era possível porque havia algo ou alguém te oprimindo, te reprimindo ou te castrando.

Meu filho sabe muito bem quanto de angústia profunda há em um palhaço.



Até breve.