sábado, 31 de dezembro de 2016

TEIMA



Nenhum tema. Nenhum assunto. Nenhuma inspiração e nem expiação. Tudo é velho, antigo, marcado por uma repetição sistemática e biliar.

Fecho o ciclo de mais 365 dias com gosto de náusea sartreana. Nem 2017 razões para supor advir novos tempos me dão lenitivo, resto de esperança ativa que tanto decantei nestes mal traçados posts.

As guerras ainda estão na ordem do dia.

No Metrô, silvícolas urbanos massacram um homem que se antepôs a um travesti.

Uma mulher ardil incendeia um embaixador.

A puslítica estampa, descancara seus carnegões, mas todos sabem que a metástase é muito maior do que a ferida exposta.

As estradas matam.

As celebridades descerebram.

Música e Letra minguam. Nem Carminho cantanto Tom arrebata. Betânia não dá conta de Edith.

Até a Bola-de-Ouro é do mesmo.

Câncer, Aids, mosquitos e bactérias mil ainda matam.

Em dez anos evoluiremos mil em meios.

Fins permanecerão os mesmos. Vis.

Meu olhar crispa uma dor dilacerante. Não é mais crível o sonho humano. Suassuna delirou quando disse que a confirmação da existência de Deus se dá pela compreensão de que não nos é possível imaginar que haja somente este inferno.

Presente.

Pior, só há este inferno presente. Suassuna também está morto.

Talvez uma lembrancinha, uma luzinha piscando nas árvores, uma comidinha especial, abraços armados, sorrisos, caras e bocas escondam o amargor. Cena da tragédia que resumiu a Vida.

Confraternizações. Em Copacabanas com menos fogos de aurifício.

Meu, fudeu.

Esperem... Ainda há muita alienação para tamponar o escroto. Boralá crer que o seu Banco vai cuidar de sua Vida, suas vitaminas te fortalecerão essa bisnaga de carne, este álcool azul absintará o real.

Você amará como nunca. Terá filhos e netos. Doze carros e uma mansão em Shangrilá, ou nada disso, ou até menos do que isto.

Mas será feliz porque um novo ano se descortina.

E a Humanidade que se foda. E com ela este sonho tolo de que um dia, qualquer dia, advirá Humana.





ATÉ BREVE.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

FINITUDE



“A morte é indestrutível”. Manoel de Barros foi quem disse. Nada mais inexorável do que ela. Especialmente quando fora daquilo que parece ser razoável, natural, aceitável. A morte na velhice, tudo bem. Como dizia minha avó Eulália, “prá lá nós vamos”.

Ceifar a vida de um jovem de 29 anos é cruel. Foi com esta palavra que Carlos Augusto pai de Túlio, acolheu meus pêsames pela perda de seu filho vítima de um câncer raro.

Jovem cheio de vida, humor, alegria e de uma simpatia ímpares. Estava nos USA e foi atendido em um hospital de lá se queixando de fortes dores. Todos os exames foram feitos e não foi possível diagnóstico preciso.

A mãe, precavida, voou imediatamente para buscar Túlio. Foi em agosto deste ano. Retornou dois dias depois trazendo o filho. Desceu no aeroporto e de lá foi direto para um hospital. Novos exames e nenhuma constatação conclusiva até que os médicos resolverão abrir.

Aberto o corpo do jovem e feita uma incisão em um dos rins a maligna surpresa.

De agosto até a madrugada de ontem, Túlio fechou-se em seu sofrimento pedindo aos pais que não compartilhasse com ninguém a sua dor. De forma avassaladora outras partes do corpo foram tomadas retirando toda esperança.

Recebemos a notícia por volta da uma hora da tarde de ontem.

Passei o resto do dia e boa parte da noite pensando: como encontrar sentido em uma morte destas? Recentemente, em acidente aéreo, nos deparamos com a perda de dezenas de jovens no auge de suas vidas.

Mas foi um acidente trágico.

No caso de Túlio, não. Foi uma crueldade ou, no mínimo, uma brutalidade.

Claro que não é a primeira e nem será a última morte semelhante. Diariamente é provável que inúmeras vidas sejam abreviadas brusca e inexoravelmente em circunstâncias idênticas.

O sentido da perfeição perde nexo. O Criador é colocado em cheque pela simples pergunta: por que, meu Deus? Como entender este câncer? Especialmente por ser raro, parece que no Brasil foram identificadas menos de uma dezena de casos.

Nunca soube o que dizer em velórios.

Ontem, enquanto conversava com um dos tios de Túlio, amigo-irmão, eu tentava pensar em tudo, menos no que acabara de acontecer. Ouvia o choro alto e intenso da mãe, acolhida pelo outro filho. Ítalo, inconsolável.

Minha ingênua tolice me impõe uma queixa.

Por que, Deus?



Até breve.

sábado, 3 de dezembro de 2016

NEUSOCOTICOS



Combinamos de nos encontrar para compartilhar delírios. Eu e Barreto, aquele sujeito que me faz vínculo com meus ideais da juventude.

Ele se virou ou a Vida fez com que ele se tornar-se escritor. Dei à Dona Ismênia, no sábado passado, como presente pelos noventa anos dela, um dos livros do amigo: das simpatias. Recebi todos os agradecimentos, ela me disse que ri sozinha só de lembrar-se de passagens dos textos.

Pode alguém querer algo mais para o outro, pelo qual tem o maior afeto, alegria? Pois é, Barreto foi catalisador, com seu brilhantismo poético, a fazer Dona Ismênia sorrir, e muito.

Aí combinamos de nos encontrar para “tomar umas cervas” e misturar horrores e neusocoticos sacstificantes, isto é, delírios. Coisas que ainda não existem e que só perambulam nos territórios dos poetas.

Só que Barreto levou Graça, sua esposa, junto. Eu lido bem com o inesperado, sempre quando ele não aconteça.

Graça, a quem Barreto chama de Neguinha, desandou o propósito. A conversa combinada era para nós dois. Só que, ao longo de todo o encontro, Graça monopolizou a cena.

E o pior, foi ótimo.

Ela, logo que sentamos no bar, falou de um grande amigo comunista que até hoje crê na perspectiva da revolução.

Daí emendou para experiências que ela teve como professora para adultos que não fizeram, pelas mais diversas circunstâncias, o ensino fundamental. Nas salas de aula, adolescentes e idosos, numa química extraordinariamente interessante para a maestria.

E por ali ela foi, tecendo a fala de um ponto a outro num ritmo alucinante que, eu e Barreto, espectadores quase passivos, tentávamos entender o que estávamos fazendo ali. Eu digo “nós”, porque mesmo que Barreto não concorde com isto, eu o quero como comparsa.

Graça foi fondo, ligando uma pessoa à outra, um novelo a outro e, de repente:

- “Eu sou tarada por futebol”!

- “E prá que time você torce”? Perguntei, quando pude.

- “Ah, eu sou vagabunda”!

Antes que eu me recuperasse do susto ela foi logo dizendo:

- “Torço pro Cruzeiro, mas no dia da Libertadores quebrei a nossa cama de tanto pular torcendo pelo Atlético!”

E não parou aí. Lembrou-se de uma pessoa que fazia para ela a limpeza do apartamento. A mulher apanhava com regularidade do marido sempre que o sujeito tomava doses ou garrafas a mais. Até que um dia um vizinho do casal, depois de salvá-la de um desses ataques, levou-a para um canto e ponderou:

- “Poxa, você é uma mulher trabalhadeira, faz tudo para o seu marido e o cara ainda te bate? Por que você não larga esse cara e vem morar comigo”?

Graça arremata a história imitando a ajudante:

- “Dona Graça, num é que eu aceitei e de um dia pro outro eu tava morando com o vizinho”?

Despedi-me do casal amigo e, no caminho de volta para casa, fiquei pensando qual fonte de inspiração o meu querido amigo apoia-se para cunhar suas fantásticas pérolas literárias.

Eu acho que ele é cheio de graça.


Ate breve.