Assisti, e somente ontem, ao filme
de Alejandro González Iñarritu. Deveria tê-lo visto antes, quando o Vlad há
meses atrás vindo do cinema fez referências surpreendentes sobre a fita.
O Regresso é um desses filmes que
fazem um tributo ao cinema. Todas as artes são elementos para a expressão
humana, mas a Sétima, quando bem utilizada explicita mais que todas as outras,
o humano.
Talvez pela presença da linguagem
dinâmica de imagens e sons, o cinema “diz” muito mais se comparado a outras
tantas manifestações artísticas.
Eu não gostei do filme, eu adorei,
fiquei fascinado pelas quase duas horas e meia de projeção e me perguntei ao
longo de todo o seu transcorrer como alguém pode, em tão pouco tempo, dizer
tanto.
Iñarritu, co-roteirista e diretor,
nos propõe múltiplas interpretações, desde as mais banais, como aquelas
veiculadas pela divulgação comercial que o filme trata da superação humana
diante das adversidades patrocinadas pela natureza, até outras um pouco mais
sofisticadas.
A mim, por que fascinou?
O filme é carregado de imagens, que
se retiradas de cada frame da
película e colocadas em postais ou cartazes poderiam ser usadas, por exemplo,
em agências de turismo para comercializarem o Belo que a Natureza proporciona.
Iñarritu dá um show de locações paradisíacas, com verdes de florestas,
alvoreceres e poentes, águas cristalinas correntes.
Esse me pareceu ser o primeiro fio
condutor da narrativa. A natureza paradisíaca, mesmo que, em alguns momentos,
em suas dimensões mais adversas à sobrevivência humana.
Dentro deste ambiente, deste
paraíso, o Homem, sua história e sua cultura. Do primitivo ao moderno, (a trama
se dá no fim do século XIX), fazendo-nos pensar sobre a convivência humana
durante séculos.
Glass, personagem de Leonardo de
Caprio que lhe deu o Oscar tão esperado, protagoniza duas cenas antológicas: a
primeira, no início do filme, quando se depara com um urso que protege as suas
crias e a outra quando, ele próprio, se coloca sobre o corpo do assassino de
seu filho.
Em outra cena um silvícola, que teve
sua família dizimada por tribo inimiga, e que socorre e trata de Glass
pós-ataque do urso, aparece enforcado pendente de uma árvore. Preso ao corpo
uma tabuleta: “Todos somos selvagens.”
Quem o enforcou foi um grupo de
“comerciantes de peles” “franceses”. Glass ao tentar roubar um cavalo se depara
com um dos líderes deste grupo arrastando uma índia para estupra-la. Glass
avança sobre o francês e liberta a mulher deixando com ela uma faca, para
acabar o serviço. Fora da cena ouve-se a índia dizer: “vou cortar as suas
bolas, infeliz!”.
O filme remeteu-me a isto. A
tragédia civilizatória da Humanidade e as suas inúmeras facetas de crueldade
selvagem. O filme coloca a besta diante do homem e faz com que nos perguntemos:
quem é a besta?
Diante do paraíso, há inclusive
cena de uma igreja em ruínas com fragmentos de pintura na parede do altar do Cristo
crucificado, transcorre a saga humana.
Estuprada, a “nativa”, não diz vou
cortar o elemento do estupro, mas aquele onde reside o elemento fecundante do
“europeu” bárbaro.
A penúltima cena nos deixa matéria
para reflexão eterna: uma imagem congelada da maravilhosa natureza e, abaixo da
imagem, um rastro de sangue humano.
No desenrolar do filme, algumas
tomadas são tão próximas da cena que sangue de batalhas respinga na lente da
câmera ou o vapor da respiração ofegante do protagonista a embaça. Para dizer
que no que se passa ali, todos nós estamos presentes.
A tradução, para o português, do
nome do protagonista, diz de nossa fragilidade.
Até breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário