Está na contracapa do livro de
Francisco Daudt da Veiga, O Aprendiz de Liberdade(*), um de meus
livros-de-cabeceira:
“A liberdade consiste em conhecer
os cordéis que nos manipulam.” Esta citação é a bússola deste livro. Ela nos
faz pensar que somos um tipo curioso de marionetes: atados por fios, mas
olhando para cima com vontade de saber como é a cara daqueles que os puxam,
quais são suas intenções e suas disposições de espírito. Bonecos controlados,
sim, mas com algum espaço para um arbítrio que queremos mais livre.
Já no corpo do livro, no capítulo
Argumento de Autoridade, Chico Daudt escreveu:
Um amigo da juventude de Billy
Wilder (o diretor de Quanto mais quente melhor) foi pego se masturbando. O pai
ameaçou-o: “Se você fizer isso cinquenta vezes, vai morrer”. O pobre coitado
começou a raciocinar seus impulsos, mas finalmente chegou ao número-limite.
Escreveu uma carta de despedida ao pai dizendo que não tinha conseguido se
conter, e dirigiu-se ao abismo. Sobreviveu, é claro. E reuniu-se aos amigos
para um festival de punheta anarquista em que proclamavam: “Os pais mentem!”
Lembrei-me deste delicioso livro
ontem. Acompanhei, nos últimos dias, boa parte das sessões derradeiras do
processo de impeachment.
É assim a nossa principal fonte de
crenças, de conhecimentos e de “verdade”: o argumento de autoridade. Os livros,
os jornais, a escolaridade, nossos pais, nossos amigos importantes, os
políticos, enfim, o séquito de autoridades que nos rondou, apresentou verdades
a que tínhamos que nos curvar segundo um princípio: é verdade porque vem da
autoridade.
Precedida pelas falas intermináveis
e mais do que repetitivas a grande maioria dos parlamentares usaram: “A verdade
é quê...” Olhando para as câmeras como se dirigissem mesmo a nós, os
despossuídos da verdade, eles intimidaram com a sugestão de que não fazemos
parte de um mundo de pessoas cultas, de quem estamos sempre por baixo, e se não
entendemos é porque somos burros.
Os pais mentem.
Não bastassem há ainda os “amigos
feicebucanos” com suas intermináveis bandeiras desfraldadas, os mais eruditos
fixando em seus perfis depoimentos, manifestos, pareceres de intelectuais,
artistas, enfim daqueles que têm domínio da verdade.
Um porre!
Conta meu tio-avô Jango, em seu livro
de 1936, Memórias de João Daudt Filho, que a matriarca dos Daudt emigrou da
Alemanha, chegando ao Rio Grande do Sul em 1824. Já instalada, confessava-se ao
padre uma vez por ano com seu português precário em apenas uma frase: “Eu non
robô, eu non mato; tudo mais eu feiz”. Pode ser que o resumo fosse derivado de sua linguagem rudimentar, mas do
ponto de vista do superego a confissão é perfeita: não havendo provas absolutas
em contrário, somos culpados de tudo, inclusive de crimes das vidas passadas (o
carma) e do pecado original, herdado de Adão e Eva, cerca de 40 mil gerações
atrás!
Eu, vou dizer proceis: tudo eu
feiz. E muito mais do que cinquenta veiz.
Duvidem de tudo que eu escrevo,
especialmente quando apoiado em outros despossuídos.
Principalmente os títulos dos posts. Hoje, por exemplo, viram que começa com ORTO?
Até breve.
(*)O aprendiz de liberdade /
Francisco Daudt da Veiga – São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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