sexta-feira, 8 de julho de 2016

LEGADO



O interfone tocou e o porteiro do meu prédio pediu para que eu fosse lá embaixo para retirar uma encomenda que acabara de chegar e que precisava ser me entregue imediatamente.

Um pacote comum envolvido em papel barato e quando abri fiquei com um misto de espanto e de curiosidade. Eram pequenos três ramos com algumas folhas e, em cada um deles, uma flor de vermelho intenso e fosco. Nenhum cuidado especial de embalagem, nenhum aparato de proteção.

Apenas três flores vermelhas. E um bilhete.

“Estas flores foram colhidas pela manhã em Calistelterat, na região de Gnosnjuisf, ao sul de Vermistalen. Durarão até que você as entregue a alguém. Depois, dependerá.”

Qual foi o sacana que aprontou esta? Pensei.

Não sou grilado para estas coisas, mas sei lá se jogo incontinenti tudo fora. Ou se entrego para alguém dizendo a procedência. Vai que eu minta: que a indicação de quem me remeteu exige que eu entregue para pessoas especiais. Ou que não, diga apenas que elas acabaram de ser colhidas pela manhã em Calistelterat...

Fiquei com aquilo amoitado em casa por alguns dias. À noite acessava o pacote para ver como estavam sempre supondo que, sem cuidados, o conteúdo estava murcho. Nada, estavam lá como chegaram, flores de um vermelho intenso e fosco.

Um dia resolvi retirar uma e, zaz, ela murchou. A flor foi empalidecendo até acinzentar-se, enegrecer-se e secar em farelos. Será porque eu não havia pensado em ninguém para entregar? Ou eu deveria ter entregado as três e dentro do mesmo pacote? Ou eu não poderia ter pegado, como o fiz, sem cuidados? Ou...?

E agora?

Voltei com elas para a moita e deixei que o tempo passasse por dias, não sem deixar de pensar um instante sequer em o que fazer com as duas flores de vermelho intenso e fosco que restaram.

Resolvi então entregar a uma pessoa próxima relatando todo o acontecido sem fazer nenhum reparo nem para mais e nem para menos. Exatamente como o ocorrido. Fui à moita e, qual foi a minha mais cruel surpresa quando abri o pacote?

Havia uma única flor de vermelho intenso e fosco. Nem vestígio da outra, nem farelos. Alguém teria descoberto o pacote? Impossível. Então quem a tirou dali? Porque murchar ela não murchou.

Meses se passaram. De quando em vez abria o pacote. Ela estava lá no mesmo estado de sempre. Pensei então em reunir a família e contar tudo. Foi o que fiz. Só que quando fui com todos à moita, cadê o pacote?

Vasculhei por todos os lugares e nada. O pacote com a derradeira flor de um vermelho intenso e fosco havia desaparecido.

A partir deste dia comecei a sentir que a família exalava uma preocupação quanto ao meu estado já que eu reiterava os fatos tal como ocorreram.



Até breve.

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