Estou convidado a falar em encontro
de empresários que se propõem a debater sobre perspectivas para o futuro.
Pediram que eu discorresse sobre a questão da cidadania. Enviei à coordenação
do evento o título para a minha palestra: Cidadania, base para a Sustentabilidade.
Pois é, provocação pura. Não há
nada mais óbvio do que a assertiva contempla. E tenho as más intenções de ir à
corrente de que é exatamente o óbvio que nos escandaliza.
Ora, desde sempre optamos pelo
equívoco. Na origem, contrariando, caímos com todos os dentes sobre a maçã.
Antônio Fagundes, ontem no programa de Tony Ramos no Canal Brasil, lembrou
Borges: “O homem é um projeto que não deu
certo”.
Longe de ser patológico é da
natureza, da essência humana, desde os primórdios a opção pelo equívoco. Mesmo
que eu saiba, que eu tenha mais do que certeza, ainda assim eu ajo,
rigorosamente, contrariando.
“O Ministério da Saúde adverte:
fumar dá câncer”.
Um náufrago em uma ilha é um ser
humano. Dois seres humanos náufragos em uma ilha constituem-se como cidadãos. E
por quê? Porque, provavelmente, optarão por dividirem o espaço, os meios de
sobrevivência, segurança, projetos, enfim, convivência.
Estabelecerão papeis,
responsabilidades, limites e, sobretudo, contratos que, fatalmente, serão
descumpridos. A cidadela nada mais é do que os limites para a transgressão dos
membros que a constituem.
Claro que esta condição agrava-se
na medida em que mais náufragos habitam a ilha. Em 1830 d.C. somavam dispersos
1 bilhão, hoje a ilha contém 7,5 bilhões de náufragos.
Outra agravante é que, engenhosos
que são, os seres humanos náufragos na ilha desenvolveram meios e modos de
operar a sobrevivência, claro que não extensivos a todos.
Há aí 1,5 bilhão que não devem ser
considerados para nada. Habitam a ilha, mas sequer receberam um nome, portanto,
não podem ser considerados cidadãos.
Náufragos, talvez, mas excluídos miseráveis. Os 65 milhões de náufragos mortos
vivos que perambulam europas daqui para ali refugiados de suas cidadelas,
buscam desesperadamente uma pousada. Estes são cidadãos de outra categoria.
Na outra ponta, pouco mais de mil e
poucos seres humanos náufragos, aqueles que têm em seu patrimônio pessoal um ou
mais bilhões de dólares, gozam de privilégios de sobrevivência inimagináveis
aos demais.
Objetivando estruturar direitos e
deveres os seres humanos náufragos desenvolveram a Política Institucional que é
o espaço da partilha de interesses, logo e obviamente, matriz e sede de toda
corrupção.
E para completar tudo isto, de umas
décadas para cá os seres humanos náufragos desenvolveram tecnologia que dá
acesso, portabilidade e instantaneidade a tudo sobre o que se sabe e que se
passa na ilha. Conclusão: em que pese às diferenças fundadas na história de
cada cidadela, não há nada hoje que não as afete mutuamente.
Somos náufragos, todos, em uma
única ilha.
Daí? Só participando da palestra.
Até breve.