quarta-feira, 8 de junho de 2016

MUDEZ



Tivesse juízo e inteligência eu deveria era ter apeado deste trem. Nunca mais embarcar nele, deixar prá lá viagens que não endereçam a canto algum. Vazios itinerários, tortuosas curvas, desfiladeiros infinitos, quedas de árvores, pedras enormes e pedregulhos sobre a via.

Mesmo que seja possível percorrer toda a composição, indo de vagão a vagão, jamais se terá clareza de todas as nuances de cada ambiente visitado, o que há debaixo de cada banco, naqueles maleiros reservados e com suas chaves guardadas por sabe-se lá quem.

Melhor fazer o percurso a pé, como tantos outros, mesmo que à deriva ou conforme a direção que o nariz aponta, sem sequer olhar para o lado ou para o trem que segue desgovernado.

É como vejo o que se passa. Um trem desgovernado. Às margens, milhões, mais de duzentos milhões. Pelo que se vê não será possível pará-lo, as estações se sucedem de tal sorte e em tal velocidade que se supõe ser a próxima a derradeira e definitiva, mas não, o trem segue em sua volúpia de destino.

Na medida em que avança, pelo destrambelhado, desengonçado e conflituoso afã de passageiros, alguns desses são lançados pelas janelas, ao ostracismo ou derradeiras tumbas.

Milhares quase milhões, às margens, torcem para que, quando o trem passar por eles, sejam lançados fora seus inimigos de ocasião, adversários fantásticos ou produzidos pelos noticiários. Fora fulano, fora ciclano, fora beltrano!!!

Mas a composição não possui locomotiva? Não há um mapa sequer para orientar o condutor? Perguntar-se-á. A questão reside aí, o que está como condutor e estava em um mesmo vagão embrulhado com a maquinista antecessora, não consegue pegar no leme e outros dois que levou para auxiliá-lo na cabine já foram lançados fora. Os demais, a qualquer hora, num solavanco, podem ter o mesmo destino. Quem sabe o próprio maquinista e sua antecessora.

Há sim um supremo esforço de alguns que, às margens, com suas tabuletas tentam orientar o percurso, mas também entre estes reside meia-dúzia de senões e alguns nem comparecem no tempo e hora esperado pela composição. Inúmeras petições são lançadas a eles pelas janelas do trem, algumas ficam pelo caminho outras são escolhidas a mercê de interesses sabe-se lá quais.

Melhor achar um ranchinho de pequenas esperanças, sábias conquistas, perenes recordações às margens do turbilhão. Deixar este trem prá lá até que ele descarrilhe de vez e, mesmo que não aconteça – o que talvez seja o provável – abandonar o sujeito daquela viagem.

Viver a solidão e anonimato dos das margens e nelas não opinar nada sobre o trajeto e os abomináveis passageiros que se engalfinham no trem.

Voltar a si próprio, compor poemas toscos e tolos, contos fantasmáticos, passagens de viagens outras, sair de cena.

Lavrar outros humanismos, outras bonitezas, outra ética.

E, se possível, ainda ser um avô e, como tal, anciar.(*)


Até breve.

(*) Assim mesmo, com esse “c” que cabe em ancião.

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