Tivesse juízo e inteligência eu
deveria era ter apeado deste trem. Nunca mais embarcar nele, deixar prá lá
viagens que não endereçam a canto algum. Vazios itinerários, tortuosas curvas,
desfiladeiros infinitos, quedas de árvores, pedras enormes e pedregulhos sobre
a via.
Mesmo que seja possível percorrer
toda a composição, indo de vagão a vagão, jamais se terá clareza de todas as
nuances de cada ambiente visitado, o que há debaixo de cada banco, naqueles
maleiros reservados e com suas chaves guardadas por sabe-se lá quem.
Melhor fazer o percurso a pé, como
tantos outros, mesmo que à deriva ou conforme a direção que o nariz aponta, sem
sequer olhar para o lado ou para o trem que segue desgovernado.
É como vejo o que se passa. Um trem
desgovernado. Às margens, milhões, mais de duzentos milhões. Pelo que se vê não
será possível pará-lo, as estações se sucedem de tal sorte e em tal velocidade
que se supõe ser a próxima a derradeira e definitiva, mas não, o trem segue em
sua volúpia de destino.
Na medida em que avança, pelo destrambelhado,
desengonçado e conflituoso afã de passageiros, alguns desses são lançados pelas
janelas, ao ostracismo ou derradeiras tumbas.
Milhares quase milhões, às margens,
torcem para que, quando o trem passar por eles, sejam lançados fora seus
inimigos de ocasião, adversários fantásticos ou produzidos pelos noticiários.
Fora fulano, fora ciclano, fora beltrano!!!
Mas a composição não possui
locomotiva? Não há um mapa sequer para orientar o condutor? Perguntar-se-á. A questão
reside aí, o que está como condutor e estava em um mesmo vagão embrulhado com a
maquinista antecessora, não consegue pegar no leme e outros dois que levou para
auxiliá-lo na cabine já foram lançados fora. Os demais, a qualquer hora, num
solavanco, podem ter o mesmo destino. Quem sabe o próprio maquinista e sua
antecessora.
Há sim um supremo esforço de alguns
que, às margens, com suas tabuletas tentam orientar o percurso, mas também
entre estes reside meia-dúzia de senões e alguns nem comparecem no tempo e hora
esperado pela composição. Inúmeras petições são lançadas a eles pelas janelas
do trem, algumas ficam pelo caminho outras são escolhidas a mercê de interesses
sabe-se lá quais.
Melhor achar um ranchinho de
pequenas esperanças, sábias conquistas, perenes recordações às margens do turbilhão.
Deixar este trem prá lá até que ele descarrilhe de vez e, mesmo que não
aconteça – o que talvez seja o provável – abandonar o sujeito daquela viagem.
Viver a solidão e anonimato dos das
margens e nelas não opinar nada sobre o trajeto e os abomináveis passageiros
que se engalfinham no trem.
Voltar a si próprio, compor
poemas toscos e tolos, contos fantasmáticos, passagens de viagens outras, sair
de cena.
Lavrar outros humanismos, outras
bonitezas, outra ética.
E, se possível, ainda ser um avô e,
como tal, anciar.(*)
Até breve.
(*) Assim mesmo, com esse “c” que
cabe em ancião.
Gostei. Muito.
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