terça-feira, 28 de junho de 2016

ARDÊNCIA



“Nada mais belo e verdadeiro
Que a espontânea feiura dos espelhos”.(*)


Fim de semana ótimo, apesar de tão próximo da cirurgia a que fui submetido na quinta. A intervenção ocorreu na região dos fundilhos, na extremidade posterior da reta dos “países baixos” ou, como explicou meu amigo Barreto a uma amiga: “Agulhô operou de... Vou falar em alemão para não ser inconveniente... Das Hemorroidas Ardem”!

Na manhã do sábado fui ao lançamento do Livro das Simpatias. Tenho uma imensa inveja, há pelo menos quarenta anos, do Barretowski. E ele, contumaz que é, só realiza para que eu nutra maior ainda. Tem zilhões de prêmios e foi selecionado para catálogos inclusive nas Bienais Internacionais do Livro de Bolonha (Itália), Cidade do México, Frankfurt e Bratislava.

À tarde fui assistir a um espetáculo impagável. Eu fiquei paralisado enquanto filmava no IPHone a apresentação extraordinária e inesquecível. Uma das cenas mais marcantes foi quando a atriz principal, acho que tinha outras na quadra, olhou para alguém na plateia e mandou efusivos beijos além de um sorriso estonteante.

Liz quando viu Antônio saiu do ritmo da quadrilha e fez todos os gestos de alegria por ter visto o seu priminho que também derretia de orgulho. Noninha estava esfuziante em seu vestidinho mais do que caipira. A coreografia singela, as mãozinhas segurando o rodado da chita, a letra e a melodia da música, os vai-e-vens, é de uma boniteza sem tamanho.

Depois fomos para Santa Luzia, eu dirigindo. Dormir no sítio pelo menos uma vez na semana é obrigatório e balsâmico.

Domingo, logo cedo, voltamos para BH e fomos à primeira comunhão de uma menina linda, filha de um casal de amigos. Fomos convidados a almoçar na casa deles. Lá estava, também, o padre que celebrou o sacramento. Depois que fui apresentado pela anfitriã ao sacerdote crivei-lhe com uma pergunta: O que é ser padre hoje?

Já no finalzinho da tarde, encontro familiar em nosso apartamento. Todos menos Bernardo (fazendo curso de Oratória em Atibaia), Fá e Helena (em casa no período de reclusão de 90 dias pós-parto) e Claudinho (que já havia voado para Lages-SC).

Todos já tendo ido embora, assistimos ao filme Pássaro Branco e, depois, sozinho ainda vi a final da Copa América. O êxito é cruel para o Humano. Não importa se ele já rondou a sua vida em inúmeras oportunidades, se você já foi considerado durante cinco temporadas aquele que mais se destacou em sua área de atividade.

Você não pode perder, nunca. Principalmente quando você leva junto o país pelo qual tremula sua bandeira. A dor de Messi é humana, demasiadamente humana.

A resposta do padre foi longa o suficiente para dela derivar outros temas da atualidade e, junto com outros convidados ao almoço comemorativo da primeira comunhão de Alice, refletimos sobre quão grave tem sido a derrocada, a falência das instituições pela profunda crise de princípios e valores. 

Estava conosco um empresário militante em ações sociais, especialmente ligadas à educação. Ele falava do risco do aparelhamento ideológico de gênero que tem ocupado as escolas.

Este post quer registrar uma cronologia, já que é meu quase diário, para memorar um final de semana como outro qualquer da minha vidinha.

Melhor do que me ocupar com perguntas idiotas e sem respostas convincentes como, por exemplo: “Como três técnicos do Congresso Nacional, designados pela defesa da acusada, em dez dias úteis produzem um relatório no qual fixam que ocorreram sim crimes de responsabilidade da presidente afastada e a quase um ano mais de quinhentos deputados, oitenta e um senadores e todo o entourage pagos pelo contribuinte permanecem nos seus delirium tremens? Por que estão agora a discutir se foi CRIME ou CRIME?"

Opto por outra quadrilha, o espetáculo de Noninha com seu priminho Antônio.



Até breve.

(*) Antônio Barreto, Livro das Simpatias, Belo Horizonte: Baobá, 2014.

sábado, 25 de junho de 2016

FACA



Urge recuperar a sanha contra a anorexia poética. A Vida não é feita apenas de tenebrosas realidades. Viver merece cuidado no olhar.

Mesmo que breve há os netos em estado de infância praticante. Nada mais comparado com uma lindura extrema. Helena, Antônio, Valentin e Liz. Também há os filhos, essas dádivas!

Amigos que estiveram comigo ontem para tomar um vinho (eles) e comer um delicioso capelete feito por Ela. Sobremesa suflê de chocolate que trouxemos da Dinamarca e, de quebra, um Vinho Santo, trazido da Toscana da Vinícola Antinori Chianti.

Boa prosa com gente que está marcada por um afeto há décadas. Doido como os assuntos se blendam, alternando com um de um-tudo, passando até pela dúvida se vivemos o bastante para dizer que valeu. Talvez porque eu, na quinta, tenha entrado na faca.

“Eu, por mim, fosse hoje, tá beleza!”, disse uma das amigas. “Agora, se ele for primeiro, aí vai ser foda.” Arrematou olhando para o marido que, acho, acreditou.

Uma outra, não. Não gosta do tema da morte. E o assunto derivou para sexo. Aí, já viu, uma mão de dedos é suficiente para medir performance. Não falo em que período.

Falamos de música e eu, com o meu indisfarçável pessimismo, fui contestado. “Você diz isso porque não conhece o que anda rolando no mercado alternativo. Tem coisas lindas!”

Não sei exatamente porque, mas não falamos mal de ninguém, ontem. Embora minha memória seja péssima, acho que foi se não a única, mas uma das poucas vezes que amigos ausentes não entraram na roda de maledicências.

Lavei, enxuguei e guardei a louça com um prazer bobo.

Fui dormir. Passei melhor a segunda noite pós-cirurgia nos fundilhos. Não digo o nome da coisa em respeito a uma das amigas presente no jantar. “Na minha casa era proibido falar esse nome, meu pai proibia. Para ele era palavrão.”

Hoje, agora cedo, liguei o computador pensando em postar. Acessei, como de praxe, dois horóscopos.

O primeiro: “Lua em seu signo hoje e amanhã. Dica especial dos céus para você reservar este fim de semana para se cuidar, mimar e se entender melhor. O mundo precisa aguardar esse momento seu, quando irá recarregar suas baterias”.

O segundo: “E se o fim de tua breve existência fosse daqui a alguns instantes? Que farias para aproveitar o tempo de expressão que ainda te resta? Pensa nisso todos os dias, pois o momento do Universo que tua presença representa é breve e cada respiração te aproxima do fim. Se por desventura imaginas que essas afirmações sejam trágicas demais para figurarem num texto de astrologia, segue teu caminho e continua imaginando que é possível aproveitar o tempo existencial sem pensar no fim. Aquilo que tu és depende menos do que viveste no passado e mais do que ainda tens potencial de experimentar. O tempo não é apenas um rio que te empurra vindo do passado, é também um futuro que te chama para que o abraces. Por isso, é inevitável que penses na tua morte, tu te encontrarás com ela.”

Pois é.

Hoje tem festa junina na escolinha da Liz. Antes vou passar no lançamento do Barreto: O Livro das Simpatias. Depois vou para Santa Luzia.

Assim, vivendo, aos bocadinhos.



Até breve.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

ESIN



Em 16 de junho de 2014 editei o post DESARRANSHUAAAA. Foi para fazer um registro de uma crise de diarreia-ninja, tipo cachoeiras de interiores amplas, gerais e irrestritas.

Como consequência aflorou algo em meus fundilhos que nunca mais foram os mesmos. Amanhã, depois de muito negligenciar, entro na faca para reparos.

Assisti ao filme Nise – O Coração da Loucura. Muito bom, face à dificuldade em narrar a história de vida da mulher que inspirou o roteiro para a fita.

Nise volta a trabalhar em um hospital psiquiátrico no subúrbio do Rio de Janeiro, após sair da prisão. Ela, então, propõe uma nova forma de tratamento aos pacientes que sofrem esquizofrenia, eliminando o eletrochoque e a lobotomia.

Como processo terapêutico a médica adota a arte junto a um grupo de internos e os resultados alcançados são surpreendentes e implicam no interesse de Mario Pedrosa a ponto de levar o crítico de arte a montar uma exposição com as obras dos clientes da Dra. Nise.

O que tem diarreia a ver com loucura?

Nada, a princípio.

Porem há uma fala de um dos internos, transformado em artista, que me fez pensar. “Eu continuarei pintando aqui no engenho de dentro.” Durante a fala ele aponta com os dois dedos indicadores para a cabeça, deixando a mensagem dúbia já que o hospital era no bairro Engenho de Dentro da cidade do Rio de Janeiro.

Em outra cena a Dr. Nise declara que o processo trouxe os internos para algo útil e uma vida melhor mesmo em relação àquela que tinham antes de serem hospitalizados.

Muito bem.

Toda nossa produção necessariamente tem que ter uma utilidade. O grande mérito da Dra. Nise foi resgatar seres em estado de tragédia humana absoluta para o mundo dos vivos.

Viver em estado de normalidade é, fundamentalmente, ser útil. Caso contrário, eletrochoque ou lobotomia.

Exagerando me pergunto se a contemporaneidade não tem feito algo nessa linha. A tecnologia, especialmente aquela embarcada em smarts, ou a maioria daquilo que se produz e que se nomeia como cultura.

Somem-se a isto os currículos escolares de todas as graduações, os programas de entretenimento na TV, o maior número de títulos de livros publicados, as crônicas versando sobre diferentes temas nos maiores jornais do país.

Diarreia.

A loucura fica por conta daqueles que ainda insistem, solitários, descerebres, no artes anal engenho de dentro algo que de fato valha a pena.

Obrigado pelos votos de boa sorte.



Até breve.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

INSTÂNCIA



Senhor,

Coloco-me diante de sua onipotência, onisciência, e demais prerrogativas que o fazem o Supremo Poder entre todos os poderes.

Sei que são inúmeros os seus afazeres divinos, especialmente, suponho, neste desprezível pedaço integrante do Universo de sua Criação, o Planeta Terra. Nele imensos problemas de toda ordem, profundidade e magnitude são gerados principalmente por uma de suas mais expressivas criações que é o elemento humano.

Sei que, entre estas mazelas terrenas, existem inúmeras outras muito mais importantes e merecedoras de sua atenção do que aquela que, humilde e desesperadamente, trago ao Senhor.

O que Sua Criatura anda fazendo neste insignificante Planeta do Cosmos não deve estar Lhe agradando muito.

Em que pese tudo isto, gostaria que olhasse especialmente para o nosso país. Sei que é um pedido fundamentalmente egoísta, mas, por favor, peço que considere. Envolve a busca pela felicidade de mais de duzentos milhões de pessoas.

A maior parte destas pessoas tem procurado, pela via de seu esforço pessoal e com honestidade, reunir as condições para a sua sobrevivência e desenvolvimento. São cumpridoras de seus deveres cívicos e morais, contribuintes com o Estado para que o mesmo retorne em serviços principalmente de segurança, saúde e educação.

Há, no entanto, uma classe desprezível que há centenas de anos, desde a descoberta destas terras vem se locupletando em engenhosas trapaças construídas e protegidas por extenso e intricado arcabouço jurídico e institucional, produzidos pelos próprios, que só fez grassar a impunidade, marca determinante na desesperança de todos os cidadãos de bem.

Nos últimos anos há um princípio de conscientização, indignação e revolta de alguns que buscam serem apoiados em seu afã de verem essa classe espúria julgada e banida da sociedade.

O Senhor, em sua infinita misericórdia e bondade, pode nos ajudar, não?

Ou devemos passar a crer que a anedota que inventamos que envolve o Senhor como protagonista, não é senão o reconhecimento tácito da nossa tragédia? Estas maravilhas que o Senhor nos legou não se constituem como o próprio paraíso por força do “povo” que o Senhor reservou colocar aqui compondo sua arquitetura do Universo.

Senhor tenha compaixão de nós.

Nos dê uma chance de nos salvarmos deste carma trágico, mesmo que para tal tenhamos que sofrer amarguras nunca dantes experimentadas. Em mim o Senhor pode confiar que estou disposto a todas as provações e aberto ao Senhor para todas as privações que o Senhor vir a determinar para o advento de uma nova era.

Depois de ter escrito cartas aos poderosos, confesso que até me suicidei, apiei de trens descarrilhados, quis abandonar tudo.

De qualquer forma, contudo, achei que ainda valia a pena recorrer-me a Ti.

Senhor escutai a nossa prece.



Até breve. 

terça-feira, 14 de junho de 2016

DERRAÇÃO



Concluído este post terei tomado uma decisão extrema. Lançar-me-ei através da janela da sala do apartamento do edifício onde moro. Décimo-quarto andar. Acredito serem remotas as chances de eu sobreviver pós-queda.

Registro as minhas razões: a primeira, que considero determinante e as demais todas que reputo secundárias.

Depois de quase mil posts editados em meu blog, nos últimos cinco anos, não consegui atingir a milionésima marca da canção “Ai se eu te pego” do ex-célebre Michel Teló, e nem a milésima marca dos diferentes Safadões, nas estatísticas de acesso aos vários veículos de mídia.

Como se não me bastasse esta imensa frustração e as doses venenosas do vírus maligno da inveja, outras questões fizeram com que eu, de vez, desistisse de me manter entre os vivos.

Não encontro mais nenhuma razão para manifestar sobre Política.

Não encontro mais nenhuma razão para manifestar sobre Atentados.

Não encontro mais nenhuma razão para manifestar sobre discriminações.

Não encontro mais nenhuma razão para manifestar sobre Artes.

Não encontro mais nenhuma razão para manifestar sobre.

Não tenho mais nada a dizer sobre a minha infância, a minha família, os meus amores, os meus amigos.

Não tenho nenhuma ideia original que me remeta a conto, crônica ou romance.

Não tem ninguém que eu queira ainda conhecer e nenhum lugar que eu queira visitar. Nenhuma comida, doce ou bebida. Nenhuma roupa que eu queira vestir, ou sapato calçar.

Nenhuma música que eu queira ouvir. Nem quero mais rever Cinema Paradiso, Era uma vez na América, O Carteiro e o poeta.

Nenhuma pelada que eu queira jogar. Nenhuma trepada que eu queira dar. Nenhum gozo.

Nada que justifique alimentar isto que sou. Uma bisnaga de carne, vociferante.

Portanto, pedi ao zelador do prédio que aguarde por meia-hora a limpeza do pátio aos pés da janela de meu apartamento. Nunca suportei retrabalho. Comuniquei a todos os meus clientes que hoje não poderei atendê-los.

Escolhi a roupa mais surrada, vou de meias. Ou será voo?

Tomarei um copo d´água. Urinarei e escovarei os dentes, não necessariamente nesta ordem. Deixarei como estão os meus cabelos, minhas unhas tanto dos pés, quanto das mãos.

Deixarei portas abertas e a TV ligada, muda, sintonizada no canal do Senado Federal.

Mandarei uma mensagem para Ela, via WhatsApp: “Bem, hoje não almoçarei contigo.”

Lerei pela última vez o que está escrito em adesivo, que mantenho há anos, fixado em meu laptop:

“Se você tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades, teria ouvido as verdades que eu insisto em dizer brincando. Falei muitas vezes como um palhaço, mas nunca desacreditei na seriedade da plateia que sorria.” (Chaplin)

Descerei, lentamente, a tampa de meu laptop.

E o desligarei.



Até breve. (Entendam como quiserem)

sábado, 11 de junho de 2016

MARITACAR



Hoje, desocupado de netos, sobrou-me esse sábado em Santa.

Tô descascando um texto recomendado por uma amiga virtual de nome estrábico que me leva a supor ser das bandas de uma croácia, talvez suécia, quem sabe das polônia. Importa pouco onde ela decegonhou.

A Mente Esquerdista – As causas psicológicas da Loucura Política, do Dr. Lyle H. Rossiter, médico psiquiatra da Universidade de Chicago.

“Os governos sempre declaram que seus propósitos são a proteção dos direitos das pessoas e a manutenção da ordem social, mas mesmo com a melhor das intenções, eles violam rotineiramente os direitos dos indivíduos e desorganizam a ordem que deveria proteger.”

“Em vez de promover uma sociedade racional de adultos competentes, que resolvem problemas através de cooperação voluntária, a agenda esquerdista moderna cria uma sociedade irracional de adultos infantilizados que dependem dos cuidados do governo para com eles. Em seus esforços constantes para coletivizar os processos econômicos, sociais e políticos da sociedade, a agenda esquerdista enfraquece os traços de caráter essenciais para a liberdade individual, a segurança material, a cooperação voluntária e a ordem social.”

“A agenda esquerdista despersonaliza, e até mesmo desumaniza, os cidadãos quando exalta a bondade de um “todo” abstrato sobre a soberania do indivíduo, que deve estar assim subordinado aos fins coletivos do Estado. De fato, para o integrante do governo imerso nos propósitos coletivistas, seres humanos são coisas a serem dominadas; são meros meios para atingir fins.”

“A ascensão da agenda esquerdista ao poder resultou de um significado particular atribuído ao governo pelos povos das sociedades ocidentais, a saber, que o Estado é uma fonte da qual se satisfaz os anseios do povo por formas diversas de cuidado paternal. Como resposta ao convite dos políticos esquerdistas, as pessoas agora pedem a intervenção do governo em todos os principais setores da vida; creches, educação pública escolar e pré-escolar, educação sexual, regulamentação dos empregos, segurança ocupacional, qualidade e confiabilidade de produtos, regulamentação da moeda e dos bancos, regulamentação de remédios e alimentos, políticas de saúde, compensação por deficiências pessoais, segurança por aposentadoria, etc. Diante do clamor das pessoas, os oficiais do governo têm se tornado administradores do cuidado paternal, da proteção e das indulgências, desde o berço até o túmulo. Os políticos que se identificam com esses anseios e os exploram em forma de legislação e propaganda de campanha têm desfrutado de grande sucesso nas urnas. Mas o custo da infantilização das pessoas é uma ampla deformação de sua competência.”

Um revoadaço de gorjeios esverdeados das maritacas que visitam nossas palmeiras de maio a agosto espargiu minha concentração e, então, coloquei de lado o livro e fui beber uma água e destrebuchar um pouco as articulações.

Nisso li no WhatsApp mensagem de um amigaço versando sobre um tema relevante: sexo na velhice. Bebi mais um copo bem cheio de água.

Depois zapiei um pouco o tal de face, este horror. Lá achei recomendação do Humberto Werneck para ler a crônica do Sérgio Augusto no Estadão. Fui pro computador e li a coisa. Sérgio comenta o livro de um americano de origem turca chamado Jarett Kobek, que mora em Los Angeles e conhece intimamente o Vale do Silício. Título: Eu odeio a internet. Subtítulo: Um romance salutar contra os homens, o dinheiro, e o lixo do Instagram.

Escreve Sérgio: “De saída, antes mesmo de introduzir seus personagens e salientar que I Hate the Internet não passa de “um romance ruim”, Kobek relaciona as suas tangentes: o capitalismo, o terrível fedor de homens, os anacronismos históricos, as ameaças de morte, a violência, o bullying, a servidão humana, o racismo, os modismos culturais de massa, o desespero, o desabrido deboche dos ricos, as agressões sexuais, o epicurismo yuppie, o culto às celebridades, a indústria dos quadrinhos (e seu mártir número um, Jack Kirby, figura central de uma indignada, mas, paradoxalmente, serena reflexão sobre os comics e os magnatas que à sua custa enriqueceram), a ficção científica, o 11 de setembro.

Não se esgotam aí as tangentes do autor. Kobek também se refere e às vezes divaga sobre a morte do intelectualismo, o tratamento dispensado às mulheres numa sociedade misógina, o populismo, o paganismo neo-helênico, a vida sexual de Thomas Jefferson, o genocídio, a filosofia objetivista de Ayn Rand, as guerras injustas no Oriente Médio, o casamento interracial, a postura arrogante dos millenials e a melancólica trajetória dos que vão para a Califórnia morrer. Tudo se imbrica como num misto de looping e quebra-cabeça.”

Já passou a hora de encerrar este post e ainda tenho sábado. É que de repente toca o telefone. Uma amiga-irmã, às lágrimas, veio me dizer que a trupe da qual participa sua filha, a adorável Alice, acabara de vencer em Madri uma maratona de balé com quarenta companhias amadoras concorrentes.

Aí, feliz, deu. Só de podia de nos acabamentos chamar o Guimarães Rosa:

“O certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundezas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma.”



Até breve.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

MUDEZ



Tivesse juízo e inteligência eu deveria era ter apeado deste trem. Nunca mais embarcar nele, deixar prá lá viagens que não endereçam a canto algum. Vazios itinerários, tortuosas curvas, desfiladeiros infinitos, quedas de árvores, pedras enormes e pedregulhos sobre a via.

Mesmo que seja possível percorrer toda a composição, indo de vagão a vagão, jamais se terá clareza de todas as nuances de cada ambiente visitado, o que há debaixo de cada banco, naqueles maleiros reservados e com suas chaves guardadas por sabe-se lá quem.

Melhor fazer o percurso a pé, como tantos outros, mesmo que à deriva ou conforme a direção que o nariz aponta, sem sequer olhar para o lado ou para o trem que segue desgovernado.

É como vejo o que se passa. Um trem desgovernado. Às margens, milhões, mais de duzentos milhões. Pelo que se vê não será possível pará-lo, as estações se sucedem de tal sorte e em tal velocidade que se supõe ser a próxima a derradeira e definitiva, mas não, o trem segue em sua volúpia de destino.

Na medida em que avança, pelo destrambelhado, desengonçado e conflituoso afã de passageiros, alguns desses são lançados pelas janelas, ao ostracismo ou derradeiras tumbas.

Milhares quase milhões, às margens, torcem para que, quando o trem passar por eles, sejam lançados fora seus inimigos de ocasião, adversários fantásticos ou produzidos pelos noticiários. Fora fulano, fora ciclano, fora beltrano!!!

Mas a composição não possui locomotiva? Não há um mapa sequer para orientar o condutor? Perguntar-se-á. A questão reside aí, o que está como condutor e estava em um mesmo vagão embrulhado com a maquinista antecessora, não consegue pegar no leme e outros dois que levou para auxiliá-lo na cabine já foram lançados fora. Os demais, a qualquer hora, num solavanco, podem ter o mesmo destino. Quem sabe o próprio maquinista e sua antecessora.

Há sim um supremo esforço de alguns que, às margens, com suas tabuletas tentam orientar o percurso, mas também entre estes reside meia-dúzia de senões e alguns nem comparecem no tempo e hora esperado pela composição. Inúmeras petições são lançadas a eles pelas janelas do trem, algumas ficam pelo caminho outras são escolhidas a mercê de interesses sabe-se lá quais.

Melhor achar um ranchinho de pequenas esperanças, sábias conquistas, perenes recordações às margens do turbilhão. Deixar este trem prá lá até que ele descarrilhe de vez e, mesmo que não aconteça – o que talvez seja o provável – abandonar o sujeito daquela viagem.

Viver a solidão e anonimato dos das margens e nelas não opinar nada sobre o trajeto e os abomináveis passageiros que se engalfinham no trem.

Voltar a si próprio, compor poemas toscos e tolos, contos fantasmáticos, passagens de viagens outras, sair de cena.

Lavrar outros humanismos, outras bonitezas, outra ética.

E, se possível, ainda ser um avô e, como tal, anciar.(*)


Até breve.

(*) Assim mesmo, com esse “c” que cabe em ancião.