Que me perdoe o Huguinho por eu não
ter comparecido ao seu primeiro aniversário festejado no sábado. Inadmissível a
falta, papai e mamãe ficam credores de atenção contra mim.
Que me perdoem Alice e Ana, que
vieram à luz também no sábado. Papai e mamãe, da mesma forma, em dobro, ficam
credores de atenção contra mim.
Que me perdoem Liz, Valentin e Antônio
pela minha ausência.
É que, neste final de semana, desde
quinta-feira, sexta-feira toda, passando por boa parte do sábado e praticamente
todo o domingo eu me recolhi em Santa Luzia. Sozinho, focado nos acontecimentos
em Brasília.
Valeu a pena acompanhar um dos
maiores momentos da história do país. Dos debates e decisões na Suprema Corte
até os debates e a decisão final na Câmara dos Deputados sobre o processo de
admissibilidade das denúncias feitas contra a atual presidente.
Saio do retiro com uma imensa
alegria. Vi nestes dias, com orgulho e satisfação, um espetáculo de democracia
com exercício pleno de liberdade dos cidadãos e dos membros integrantes das
instituições basilares da República.
Vi o Brasil comprometido consigo
mesmo e explicitando sem reservas os seus interesses, desejos, expectativas,
demandas, catarses, drenando seus espíritos, expurgando seus demônios,
enfrentando seus inimigos, colidindo com seus adversários.
Pela TV em diferentes canais e nas
redes sociais senti pulsando a cidadania e a alma brasileira em pleno gozo de
algo que tantos outros povos ainda sonham: a liberdade de expressão e de
escolha.
O “muro de contenção” construído na
esplanada dos ministérios, medida tomada pelos órgãos de segurança dados os
riscos de conflitos, acabou sendo palco de troca de flores, telefones sem fio,
mural de manifestações, peça rota.
Em 24 capitais de estados da federação
e em centenas de cidades as pessoas foram para as ruas gritarem palavras de
ordem, cantarem músicas, hinos, ostentarem faixas, flâmulas, bonecos
estilizados, máscaras numa festa nada carnavalesca. A alegria estava carregada
de sentido e responsabilidade. Havia uma razão muito forte para estar ali.
Emocionante!
Na Suprema Corte uma extraordinária
demonstração de maturidade institucional no julgamento dos recursos impetrados
pela parte denunciada, competência técnica, respeito aos poderes, rigor nos
trâmites, gestão do sentido de urgência.
Na Câmara dos Deputados quase cem
horas de trabalho praticamente ininterruptas envolvendo, ao final do processo, todos
os representantes escolhidos pelo povo, apenas dois (por motivos justificáveis)
não puderam comparecer.
A Câmara dos Deputados escancarou o
país, quase ao escândalo. Escândalo de liberdade e democracia. O Brasil se
mostrou a nu. Tal como somos, escrachados, irônicos, caleidoscópico de todos os
matizes.
Espetáculo para ser visto pelo
mundo todo e comentado por correspondentes de várias agências internacionais de
notícia. O mundo não é capaz de compreender na extensão o que se passa.
Nós somos ímpares.
Dez milhões de desempregados, quase
dez por cento de perda do PIB nacional em dois anos, milhares de fábricas e
pontos de comércio fechados, a maior crise econômico-financeira desde 1930, desigualdades
sociais e culturais agudas, diferenças de credo, raça, opções sexuais, e nenhum
ato de violência social.
Um espetáculo de cidadania.
Os discursos inflamados dos
contendores no parlamento não ecoaram nas ruas traduzidos em vandalismos,
agressões, danos à integridade física ou ao patrimônio. Um ou outro registro de
pequenos empurra-empurra.
A tarde deste domingo será
inesquecível.
Uma sessão memorável do parlamento
pela magistral condução do presidente da Casa, irretocável participação dos
membros com belíssima demonstração de brasilidade.
A firmeza, inteligência, perspicácia
e equilíbrio do presidente garantiram a evolução e conclusão dos trabalhos sem
grandes tumultos o que poderia ocorrer face à gravidade do tema em questão.
A Câmara dos Deputados não é uma
academia de notáveis, luminares, e nem de cientistas políticos, muito menos de
polidos e respeitáveis intelectuais: a Câmara é a Casa do Povo e como tal se
mostra por inteiro.
Nada mais explícito da nossa
brasilidade que as manifestações quando dos votos: como somos diversos,
plurais, imensos. A ordem escolhida e o processo de registro e apuração foi um
primor.
Fiquei fascinado pela fisionomia,
pelo sotaque, pelas peripécias e salamaleques no representante de cada estado e
redescobri neles quão diversa e múltipla é a nossa gente.
Desnecessário lembrar que estamos
falando de Homens, portanto de todos e de todos os caráteres. Nossas mazelas, nossas
idiossincrasias, nossa ingenuidade, nossa pequenez intelectual, nossas paixões
e ideologias, nossos quereres, nossas inconfessáveis faltas estavam ali
representadas por mais de cinco centenas de pessoas.
Ouvi minhas falas em diferentes
bocas, inclusive nas ofensas que gostaria de fazer a determinadas pessoas,
especialmente ao presidente da Câmara: gangster, facínora, canalha, bandido,
ladrão. Se eu o fizesse, jamais precederia meus palavrões com Vossa Excelência
ou Presidente ou Sua Excelência.
Ocorre que a democracia sustenta-se
em bases legais. E o pior: nem sempre o que imoral é ilegítimo. O Presidente da
Câmara até que seja julgado, ocupa a Presidência da Casa e, por isto, ela deve
ser respeitada. Ele mesmo, disse quando incitado a responder por que se manteve
impassível diante dos insultos: “Quem está ali é o Presidente da Casa, não a
minha pessoa”. Demonstração desta conduta é que ele se levantou e foi a outro
microfone para declinar o seu voto.
Sou obrigado a reconhecer que se fosse
outro, não tão bem preparado para a tarefa, provavelmente não teríamos o
desfecho pacífico da sessão.
Poderia escrever mais, mas cansa
quem lê. O que me parece importante é que as redes sociais já estampam as
nossas opiniões e espelham novamente nossa brasilidade. A vida segue.
Saio deste final de semana com o
meu coração embalado: “Sou brasileiro com
muito orgulho e muito amor”.
A continuar assim vamos encontrar o
nosso melhor caminho.
Até breve.